julho 30, 2020

"Death Stranding": clichés, banalidades e um final de fastio

"Death Stranding" (2019) vai de excelente a péssimo em 45 horas. Começa com um mundo-jogo espantoso, personagens e um enredo extremamente instigantes, ocupando todo o nosso interesse, conseguindo produzir uma imersão completa do jogador ao longo de todo o primeiro terço de jogo. No segundo terço, a história começa a estagnar, perde envolvimento, mas a jogabilidade ganha relevância, já dominamos o sistema de jogo, nomeadamente as potencialidades de jogo assíncrono e por isso o mundo ganha novo interesse. Mas, ao entrar na última parte dá-se o descalabro, a jogabilidade desaparece, adicionam-se tiros para aumentar a tensão, mas tudo não passa do walking simulator, e para ajudar, a história, à qual é oferecido de bandeja todo o enfoque do videojogo, tanto na sua estrutura narrativa como no conteúdo das ideias, parece arrancada a ferros de um filme de série B dos anos 1950. Mesmo a fechar, com tudo já tão mau, Kojima resolve estender, quase infinitamente, o contar da história, repetindo vezes sem conta os mesmos argumentos, ao ponto da impaciência e fastio tomarem conta de de nós. Não admira então que 90% dos jogadores tenha chegado ao final do segundo capítulo, 50% ao final do quarto, e só 29% ao fim do jogo.

Falar de Hideo Kojima como autor, no final da experiência completa de "Death Stranding" é uma ofensa a quem lutou pela expressão no mundo da comunicação audiovisual, tanto no cinema como nos videojogos. Trazer para a conversa David Lynch ou Stanley Kubrick demonstra uma ignorância assustadora do que se pretende convocar com a ideia de autoria no domínio das narrativas audiovisuais. Aliás, mesmo pensando em Ridley Scott e a saga que liga "Aliens" a "Prometheus" e que tantos atacaram, o patamar da autoria fica imensamente distante do que pudemos ver neste jogo. Diga-se desde logo que não abonava muito em favor ter o suposto grande visionário a apresentar-se como Criador, Diretor, Produtor, Escritor e Autor de um videojogo que deve a tantas e tantas pessoas, algumas delas de grande valor internacional no domínio do cinema, fruto de uma vasta produção coletiva. "Death Stranding" não tem nada para dizer, além de meia-dúzia de banalidades, ideias cliché, gastas, saturadas, e repetidas ad nauseum ao longo da experiência de jogo. 


Eu sei que estou a ser mauzinho, mas é inevitável apontar o dedo e dizer que o rei vai nu, se a maior parte da imprensa e indústria se verga perante tanta nulidade. E não digam que não estou a compreender o facto de se tratar de uma linguagem nova, distinta do cinema, ou que Kojima inventou A ou B, porque nem inventou, nem faz nada melhor que muitos outros. Kojima fica muito longe da habilidade, competência e visão de autores como Neil Druckmann ou Fumito Ueda. Por outro lado, e por ter andado apenas agora a ler a trilogia de N.K. Jemisin, que usa uma base para o seu mundo-história similar à invocada aqui por Kojima (as extinções do planeta), mesmo descontando o facto de ser literatura, que tende a funcionar melhor no aprofundamento narrativo, só pensava na genialidade da sua construção de mundos-história e no modo como tudo ali evidenciava o ridículo da experiência criada por Kojima.

Deixo-vos a cereja. Procurei no final por artigos escritos sobre o jogo, nomeadamente sobre o ridículo da história e o que encontrei foi o Kojima a dizer que os americanos não tinham compreendido a sua arte, apelando para sensibilidade artística dos críticos franceses e italianos. Ri-me, acho que fica tudo dito, é a história da arte a repetir-se com as queixas do costume dos chamados "visionários incompreendidos"!

Sem comentários:

Enviar um comentário