Em traços gerais, podemos dizer que temos três grandes temas — Anos 80, ZX Spectrum e Philip K. Dick (PKD) —, que por sua vez servem na geração de centenas de pequenas referências, que por um lado vão alimentando o nosso instinto lógico-cognitivo, e por outro nos vão massajando a nostalgia. No final dos 60-75 minutos, nem queremos acreditar que já estamos no final, queríamos mais, muito mais. Na verdade, uma hora é a duração normal do preâmbulo de um videojogo, e foi isso que senti no final de "Bandersnatch". Estava eu já ambientado e pronto a iniciar a experiência quando terminou. Valeram os replays finais em forma de epílogos, não fosse Brooker um enorme fã de videojogos.
“It was a moment where we went, ‘Oh great that’s exciting, it’s a story that would only work in this way.’ Five minutes later we thought, ‘Oh shit, now we’ve got to do that, and it’s probably going to be complicated.’” Charlie Brooker, Wired, 28.11.2018A abordagem escolhida, funcionado muito bem, tem o problema de ser irrepetível. Ou seja, não se pode dizer que o filme tenha aberto avenidas para mais episódios interativos. Por outro lado, temos uma obra que vale para além do mero género em que se encaixa, temos uma obra que não recordaremos pelas escolhas, mas porque nos impactou, porque nos fez pensar e sentir. Sobre tudo isto, temos ainda o facto de o filme estar disponível para mais de 130 milhões de espetadores no mundo, o que pode vir a contribuir para uma maior aceitação do género e assim potencialmente lançar a sua produção e consumo.
No campo mais técnico. Foi com enorme satisfação que descobri que Charlie Brooker escreveu o guião no Twine. Uma aplicação open-source criada para facilitar a criação de ficção interativa, que de tão simples tem a maior longevidade na área. Um dos maiores problemas da criação interativa tem sido desde sempre a falta de ferramentas que suportem a sua criação. Claro que o Twine serviu apenas para o guião, já que a Netflix foi obrigada a desenvolver toda uma nova aplicação de suporte à gestão dos trechos de filme que seguem totalmente o guião escrito por Brooker no Twine. Mas diga-se, funciona impecavelmente, como diz Brooker: “Seeing it work and work really smoothly has been quite odd. I found it almost emotional – as emotional as I get about anything, it was going to be something geeky”. Mais info por detrás da criação, leiam o texto da Wired.co.uk.
Para fechar, se ficaram com vontade de experimentar mais cinema interativo, posso recomendar vivamente "Late Shift" (2016) que podem ver na App Store ou na Playstation Store. Entretanto, se quiserem jogar o jogo que aparece no episódio, podem descarregar o mesmo do pseudo-site da TuckerSoft.
Leituras adicionais
How the Surprise New Interactive Black Mirror Came Together, Wired, 28.12.2018
The inside story of Bandersnatch, the weirdest Black Mirror tale yet, Wired.co.uk, 28.12.2018
Atualização 30.12.2018
Fluxograma completo de "Bandersnatch" (2018)
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