julho 29, 2019

Das lamentações criativas

Confesso que me soube a pouco — "Blood, Sweat, and Pixels: The Triumphant, Turbulent Stories Behind How Video Games Are Made" (2017) — de Jason Schreier, tanto na análise dos casos — "Pillars of Eternity", "Uncharted 4", "Stardew Valley", "Diablo III", "Halo Wars", "Dragon Age: Inquisition", "Shovel Knight", "Destiny", "The Witcher 3" — como nas conclusões gerais. O facto de serem tudo jogos bastante conhecidos ajuda, e torna interessante a leitura, mas no final fica-se como se tivéssemos acabado de ler 10 artigos do Kotaku, um bocado mais extensos. Falta capacidade para aprofundar e poder de dar a ver, para causar reflexão. Nada do que se diz é propriamente novidade, nem tão pouco segredo como os blurbs que vendem o livro querem fazer parecer. Lê-se o primeiro capítulo sobre "Pillars of Eternity" e sente-se o mesmo discurso do documentário “Indie Game -The Movie” (análise), o que não é mau, dá algum gozo, sabe bem. Depois "Uncharted 4" confirma algumas dúvidas sobre o que tinha acontecido na relação entre Last of Us e Uncharted, sem nada de muito espantoso. E chegamos a "Stardew Valley" e o seu criador, Eric barone, para entrar definitivamente adentro de “Indie Game -The Movie”. O problema é que depois disso é sempre a descer, porque o resto dos capítulos são todos iguais, mais do mesmo, apenas com diferentes intervenientes, diferentes jogos, lugares e montantes, uma decepção completa. Schreier não só não aprofunda, como apresenta um espírito crítico de nível zero, para ele todos estes criadores são dignos de idolatração, resta-nos admirar o seu esforço e agradecer-lhes.

"Uncharted 4" (2016)

Já aqui tinha ressaltado a parte da introdução e das cinco razões por que é difícil fazer jogos (ver texto), contudo quero salientar, e não é uma conclusão nova embora o último capítulo —sobre o jogo que nunca o foi “Star Wars 1313" — tenha ajudado a despoletar esta minha visão, e que tem que ver com as indústrias criativas. Criar algo digno de ser apreciado enquanto obra, enquanto detentor de valor ético, moral mas acima de tudo significante, não está ao alcance de indústrias, corporações, fábricas desenhadas para fazer dinheiro. Claro que se podem criar carrosséis para parques de atrações, capazes de gerar sensações fortes e divertir as pessoas durante um bom bocado. Mas ir além disso, criar artefactos que marquem as pessoas, que lhes toquem e as transformem, que as façam desejar ter sido elas a ter criado aquela obras é algo completamente distinto. É por isso que criar um jogo, um filme, um livro é diferente de criar um software de gestão de supermercado, ou um manual para aprender a usar o Photoshop. Porque nestes últimos só importa a eficiência, enquanto nos primeiros, sendo relevante a eficiência, ela pode ser secundarizada pelo significado, já que sem este é completamente irrelevante a sua existência. Um jogo existe apenas para significar algo, para estabelecer uma relação entre quem cria e quem joga, se serve apenas para passar o tempo, usa-se e deita-se fora, como fazíamos com os manuais de 3d Studio Max.

O jogo que nunca existiu porque Lucas resolveu vender a empresa à Disney, e esta simplesmente decidiu que não queria fazer jogos para consolas!!!

Esta assunção marcou-me ao ler o último capítulo, no qual os trabalhadores da Lucas Arts, em entrevistas, dizem-se dispostos a aceitar tudo e mais alguma coisa de George Lucas, mesmo dizendo que ele nada percebe de desenhar um videojogo, apenas porque o vêem como um mentor de culto, mas a resposta de Lucas acaba por ser o total desprezo, vendendo a empresa à Disney que ao chegar resolve terminar com todos os jogos a decorrer, mesmo "Star Wars 1313", que já tinha sido apresentado na E3. Sobre isto, Schreier não tem uma única palavra, como se fosse tudo aceitável, como se a indústria fosse isto mesmo, dinheiro a mudar de mãos. Que interessa os anos investidos por 60 pessoas num jogo?!! Na verdade, se calhar Lucas tinha razão, o facto de ser um jogo feito por uma empresa tão grande, fez do jogo um projeto de ninguém, um projeto que deve apenas apontar à eficiência dos parâmetros que vão garantir o retorno do dinheiro investido, nada mais. Quem é que quer saber de mais um jogo sobre Star Wars?

Não vou dizer que o livro seja toda uma perda de tempo. Para quem já se envolveu nestas aventuras de criar obras, jogos ou outro tipo qualquer de obra criativa, facilmente se reverá nas descrições. Sim, porque a complexidade da criação de jogos pode ser ligeiramente maior que noutras áreas, mas a produção criativa humana faz-se do mesmo modo, movido por muitas ansiedades, neuroses, frustrações, euforias, alegrias e derrotas...

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