fevereiro 05, 2023

Days Gone = (Uncharted + Far Cry) / The Walking Dead

É um grande jogo, desde logo evidenciado pela elevada qualidade da arte visual, da animação dos personagens e câmara, assim como do próprio design de interação suportado pelas affordances audiovisuais. A animação do protagonista, Deacon, e da sua motorizada, não são apenas bem conseguidas, são de tal modo fluídas que geram enorme flow em toda a nossa interação com o jogo, algo que vai melhorando ainda mais com o progredir do jogo por via da otimização das skills, das armas, e da própria motorizada. Por outro lado, o pior é mesmo a história, bastante mediana, ainda que aqui se deva mais a erros derivados da megalomania da direção ao optar por uma narrativa interativa em mundo aberto, de que viria a recuar a meio da produção.

A) Mundo Aberto: Não lhes chegou quererem emular "Uncharted", um dos jogos com maiores níveis de produção e de pessoas competentes nas múltiplas áreas, quiseram fazer um "Uncharted" em Mundo Aberto. Mas queriam tudo isto com uma equipa hiper reduzida, 6 pessoas apenas.

B) Narrativa Interativa: E já que tinham um mundo aberto, com campos liderados por ideologias sociais tão diferentes, porque não fazer um jogo de narrativa interativa? Mais uma vez, para o fazer precisariam de uma equipa de escritores 3 ou 4 vezes maior, e de sofrer todas as dores desse processo. 

Acabaram a contratar mais pessoas, passaram 6 anos a criar o jogo, mas acabaram por ter de desistir da narrativa interativa, o que se sente imenso no jogo. Quando começamos a visitar os campos e percebemos as enormes diferenças, é com grande sentimento de impotência que vemos o protagonista a não reagir a nada, e desse modo a manter-se estático ao longo de todo o jogo. Isto por sua vez serviu para atacar terrivelmente o jogo, por à superfície parecer estar de acordo com essas ideologias. Mas na verdade o que temos aqui, é que para conseguir oferecer escolhas a Deacon, muito daquilo que o jogo é hoje, teria de ter sido escrito de forma diferente. Ainda que acredito que a experiência pudesse ter sido épica, quase ao nível de um Witcher. E assim, se uns atacam a moral, outros acabam atacando a aparente incongruência, neutralidade, ou ausência de tomada de posição do nosso personagem.

"Those choices are indeed gone, and it wasn’t a decision that came lightly. “It was kind of one of those things where we fought for it for a long time and had binary choices throughout the game, and we did a lot of user testing and at the end of the day it became hard to communicate what the impact of those choices were." -- “When we cut them, we found out that we just didn’t need them. It made it stronger, and it made it way more clear, and it also helped Deacon’s character, to not give the player a chance to make Deacon an a--hole. He’s not going to take Boozer’s shotgun, and he’s not going to leave this guy to be eaten alive. He’s got a code, and for the strength of the story and the strength of the character it was a good cut to make for the game.” Game Informer 

Fotografia In-Game de Petri Levälahti

Mas ao contrário do que pensam os designers, o personagem não ficou mais forte, antes pelo contrário. O jogo ficou difuso em termos morais, porque se nota claramente que as várias possibilidades de escolha do nosso personagem tiveram de ser fundidas numa linha narrativa única, e a forma que encontraram para o fazer foi neutralizando a moral do personagem. Ele acaba tornando-se quase um mero observador, e desse modo denotando ausência de arco dramático próprio.

Por isso, talvez evocar "The Walking Dead" como influência não seja o melhor, já que em termos estruturais está mais perto de "The Last of Us". Contudo atendendo às diferenças morais, mas também às diferenças dramáticas, não é possível colocar "Days Gone" ao lado de "The Last of Us", funcionando muito melhor num comparativo com "The Walking Dead".

O que mais me entristece, é que nem sequer foi por falta produção de conteúdo. O jogo apresenta uma quantidade avassaladora de conteúdo de alto nível. São mais de 40 horas de história, dezenas e dezenas de missões com horas e horas de exposição audiovisual. Mas é também esta imensidão de conteúdo que acaba por tornar o mundo aberto um dos mais estimulantes que encontrei. Tirando algumas falhas na conexão de animação e diálogos entre o mundo aberto e as missões, na generalidade a ligação consegue estar quase ao nível de "Far Cry 5" do ponto de vista da jogabilidade criativa, assim como com imensas coisas para fazer, não sentido uma necessidade de ser puxado pelas missões, mas antes sendo puxado por todo o mundo de jogo.

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