julho 16, 2022

O Jogo da Linguagem (2022)

“The Language Game” (2022) é mais um importante contributo para a abordagem comportamental da linguagem em detrimento da abordagem inata. Já aqui tinha trazido o trabalho de Daniel L. Everett, “How Language Began: The Story of Humanity's Greatest Invention” (2017), assim como "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" (2012) de Benjamim Bergen, ou ainda “Origins of Human Communication” (2008) de Michael Tomasello. A abordagem de Morten H. Christiansen, da U. Cornell e Nick Charter, da U. Warwick, é inovadora, apresentando uma teorização, com base em estudos empíricos, que defende a interação humana como base da linguagem humana, propondo que a produção de linguagem ocorre a partir de jogos de charadas. Cada um de nós procura compreender o outro e pela improvisação fazer-se compreender da melhor forma possível. Quando em face de alguém com quem não partilhamos a mesma língua, partimos para o uso de sons, expressões, gestos, poses, desenhos, construindo charadas que o outro possa chegar a compreender. 

julho 11, 2022

Ouistreham (2022)

"Ouistreham" (2022) (Between Two Worlds) é um filme muito na linha do trabalho de Stéphane Brizé sobre as condições do mercado de trabalho na Europa, em particular em França, mas Emmanuel Carrére adiciona uma variável nova, que é o olhar de quem está acima e que se assume como defensor dessas classes, sem conhecer efetivamente o que é viver nessas condições. 


julho 03, 2022

A vida de Montaigne, segundo Bakewell

Adoro Montaigne, mas soube-me a pouco o livro de Sarah Bakewell, "How to Live, or a life of Montaigne in one question and twenty attempts at an answer" (2010) de quem tinha adorado "At the Existentialist Cafe: Freedom, Being, and Apricot Cocktails" (2016), talvez porque sabia menos sobre Sartre, Beauvoir e Heidegger. Já me tinha acontecido com o livro de Stefan Zweig, "Montaigne" (1942), sobre o qual disse "não se pode chamar a um texto que aglutina um conjunto solto de ideias sobre alguém uma biografia". E agora com Bakewell, voltei a sentir um pouco disto mesmo. Contudo, refletindo, talvez o problema não esteja nos biógrafos, nem tão pouco no biografado, mas na obra principal deste. O brilho dos "Ensaios" (1580) está no modo como nos dá acesso ao modo de ver do próprio Montaigne. Lendo os Ensaios conseguimos em vários momentos calçar as suas botas e viajar pelo seu mundo. Uma viagem que segue pelo meio dos seus pensamentos, sem inícios nem fins, já que é de um modo associativo que cada ensaio se vai desenvolvendo e nos oferecendo acessos ao seu mundo interior e ao passado. Tentar transformar este mundo rizomaticamente livre num encadeado fixo de momentos temporais parece estar destinado à decepção.

julho 02, 2022

“Ethos” (2020), a jóia turca do Netflix

“Ethos” (2020) é uma série dramática turca e uma das jóias escondidas do Netflix. Partindo da telenovela turca faz o caminho inverso da nossa “Pôr do Sol” (2021), optando por usar os tropos não para gozo, mas para os maximizar em qualidade técnica e estética. No final, temos cinema sublime, com a câmara a contar a história e não as bocas dos atores, algo pouco visto em séries, mas não só, toda a composição visual dos cenários e guarda-roupa junto com atores de excelência deslumbrando-nos cena atrás de cena. A estrutura narrativa é também um prazer tremendo, seguindo uma lógica em rede (tipo “Magnólia” (1999)) muito bem desenhada capaz de nos surpreender e recompensar ao longo dos 8 episódios. Mas o que mais me marcou foi sem dúvida o tema do choque de classes e de valores, os cidadãos turcos seculares versus os cidadãos agarrados aos costumes da religião, e o modo como as crenças e os preconceitos corroem a identidade das mulheres, mas não só elas, e tudo com muito Jung à mistura.

junho 26, 2022

Despedida Boémia

"Adieu Bohème" é uma curta com uma premissa brilhante, ainda que não inteiramente nova, mas que se torna especial pelo modo como foi criada: uma performance ao vivo, gravada e transmitida em direto na web, com a banda sonora a ser criada noutro estúdio também em direto. A espontaneidade com algum humor no tratamento de uma questão íntima aparentemente insanável do exterior — o fim de uma relação — acaba por nos tocar e obrigar a pensar sobre o que somos e do que somos feitos neste nosso mundo feito de imagens.

"Adieu Bohème" (2017) de Jeanne Frenkel & Cosme Castro, Opéra National de Paris

junho 25, 2022

"Jerusalém", edição atualizada (2021)

Quis ler “Jerusalém” (2011/2021) de Simon Sebag Montefiore para tentar compreender um pouco melhor um fascínio que desconheço. Queria perceber como é que uma cidade que não contribuiu com qualquer ideia para o avanço da humanidade conseguiu manter-se sempre presente nas agendas do mundo ao longo de mais de 3 mil anos. A leitura, apesar de muito boa, deixou-me ainda mais perplexo. Montefiore faz um trabalho brilhante de inclusão que se sintetiza numa frase: "Naquele momento, o conceito de santidade no mundo judaico-cristão-islâmico encontrou o seu lar eterno". E assim podemos perceber que todo o fascínio da humanidade por esta cidade assenta numa fábula de Origem. A eterna indagação interior, “quem somos e de onde vimos?”, fez rumar ali, ao longo de milhares de anos, das mais altas personalidades de todas as três grandes religiões — reis, imperadores, califas, imãs, rabinos, papas. Muitos levaram consigo os seus exércitos, tendo Jerusalém sido sitiada, atacada e capturada dezenas e dezenas de vezes, incluindo duas vezes em que foi completamente arrasada, não restando pedra sobre pedra. Jerusalém nunca foi além do punhado de pedras num deserto, mas a sua resiliência demonstra o poder humano do contar de histórias.

junho 20, 2022

"Kalifat" (2020) apresenta a radicalização jovem

"Kalifat" (2020) é uma série Netflix sueca de ficção sobre o Estado Islâmico, ou Daesh, em particular sobre o modo como as redes de radicalização atuam na Europa, conseguindo atrair e convencer jovens, entre os 13 e os 17 anos, a embarcar para a Síria. A série foi criada por jornalistas com base em fontes escritas variadas, mas completamente revista por especialistas em terrorismo. O resultado é uma obra de grande intensidade dramática, pelo modo como expõe as pressões e jogos mentais a que as pessoas podem ser sujeitas e como tal afeta não só as suas competências racionais, mas em particular as relações familiares e parentais. É não menos impressionante o contraste entre a sociedade sueca e a do estado islâmico, e como tudo aquilo que parece impossível se pode tornar na única coisa que importa, tudo em nome de um ideal de fantasia.

junho 19, 2022

"Uma Estranheza em Mim" (2016)

"Uma Estranheza em Mim" (2016) precisa de ser lido lentamente para se entrar no mundo doce-melancólico criado por Pamuk e sorver tudo o que a sua escrita nos oferece. A Istambul pobre da segunda metade do século XX não parece muito diferente do Portugal pobre da primeira metade desse século, por isso é muito fácil relacionar com a galeria de personagens apresentada, os seus medos, ânsias e indefinições. Apesar da pobreza, a Istambul desse tempo apresenta-se como o El Dorado dos turcos do interior, acabando a converter a sua população de 3 milhões nos anos 1970 em 13 milhões em 2012. 

junho 17, 2022

"Dot's Home", videojogo sobre problemas sociais

"Dot's Home" (2021) é um belíssimo videojogo narrativo, criado por uma equipa de criativos multimédia em conjunto com uma ONG focada na resolução de problemas sociais, nomeadamente de habitação e discriminação racial nos EUA. O jogo foi criado no âmbito de uma campanha transmedia, a Rise-Home Stories, que produziu para além deste jogo, mais quatro artefactos digitais narrativos: "Alejandria Fights Back!",  um livro para crianças, "But Next Time" um podcast, "MINE", uma web série animada e "Steal-Estate", uma experiência online interativa. O jogo foi apresentado no final de 2021 e está agora disponível gratuitamente na App Store, Google Play e Steam.