"Adieu Bohème" é uma curta com uma premissa brilhante, ainda que não inteiramente nova, mas que se torna especial pelo modo como foi criada: uma performance ao vivo, gravada e transmitida em direto na web, com a banda sonora a ser criada noutro estúdio também em direto. A espontaneidade com algum humor no tratamento de uma questão íntima aparentemente insanável do exterior — o fim de uma relação — acaba por nos tocar e obrigar a pensar sobre o que somos e do que somos feitos neste nosso mundo feito de imagens.
A premissa assenta na existência de um consultório médico que trata corações destroçados, no qual o médico oferece serviços que ajudam a minorar o impacto da separação. O tratamento consiste em criar um filme das memórias e experienciar esse filme na primeira pessoa. Daí que o processo de criação da curta — num plano sequência único — faça ainda mais sentido, já que tudo está a ser feito como se se tratasse efetivamente de um desses filmes criados pelo gabinete médico no qual participa o paciente. A ideia faz lembrar algumas histórias da série Black Mirror, mas sem o lado excessivamente realista, seguindo uma abordagem mais teatral, enfatizada pelos cenários de estúdio em que tudo se desenrola. Deste modo, temos todo um registo num tom de faz-de-conta que acaba a conferir não menos, mas mais credibilidade ao que se vê, já que podemos facilmente imaginar-nos no lugar do ator e especular sobre o que sentiríamos se nos fosse dada a possibilidade de re-encenar os últimos momentos.
Daí, que nos coloquemos concretamente a questão sobre se o facto de revivermos o papel tido no fim dessa relação não nos poderia ajudar a encarar mais facilmente a dor que se enfrenta nestes momentos. E por aí, acabamos a pensar no muito que fazemos, e no quanto do que fazemos não é feito apenas com vista ao desempenho de um papel esperado pela sociedade, com um guião pré-determinado e muito pouco alterável por nós...
Pode ser visto no YouTube com legendas em inglês, ou então no Mubi ou Prime com legendas em português
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