“Ethos” (2020) é uma série dramática turca e uma das jóias escondidas do Netflix. Partindo da telenovela turca faz o caminho inverso da nossa “Pôr do Sol” (2021), optando por usar os tropos não para gozo, mas para os maximizar em qualidade técnica e estética. No final, temos cinema sublime, com a câmara a contar a história e não as bocas dos atores, algo pouco visto em séries, mas não só, toda a composição visual dos cenários e guarda-roupa junto com atores de excelência deslumbrando-nos cena atrás de cena. A estrutura narrativa é também um prazer tremendo, seguindo uma lógica em rede (tipo “Magnólia” (1999)) muito bem desenhada capaz de nos surpreender e recompensar ao longo dos 8 episódios. Mas o que mais me marcou foi sem dúvida o tema do choque de classes e de valores, os cidadãos turcos seculares versus os cidadãos agarrados aos costumes da religião, e o modo como as crenças e os preconceitos corroem a identidade das mulheres, mas não só elas, e tudo com muito Jung à mistura.
Meryem sofre de desmaios, depois de alguns exames, o serviço de saúde turco resolve enviá-la para uma psicóloga para realizar psicoterapia. Meryem, uma mulher de limpeza que nunca frequentou o liceu, e costuma visitar o "hodja", o clérigo religioso, quando tem problemas, vê-se de repente frente e frente com uma psicóloga da elite burguesa, que não só é secular mas que se debate com culpa e preconceito relativos ao curso social da Turquia.
Claro que no final do segundo episódio já percebemos que estamos perante todo um mundo desenhado para nos provocar, personagens estereotipados que devem comportar-se sempre da mesma forma, clichés expectáveis, e alguns vazios para dilatar o tempo. Mas se conseguirem descontar alguns destes problemas, vão conseguir entrar num mundo particular, capaz de vos ajudar a evadir e questionar sobre muito daquilo em que acreditamos e com que nos debatemos interiormente.
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