setembro 11, 2021

Na esplanada do Existencialismo

Numa palavra, brilhante. É com uma enorme admiração por Bakewell que chego ao final da leitura de "At the Existentialist Café: Freedom, Being, and Apricot Cocktails" (2016), plenamente satisfeito com o conhecimento e experiência proporcionados. Sarah Bakewell fala a partir de um enorme lastro de conhecimento sobre a corrente do existencialismo, assim como das histórias de vida dos seus autores mais reconhecidos: Kierkegaard, Husserl, Heidegger, Brentano, Merleau-Ponty, Camus, Sartre e Beauvoir. Bakewell usa as histórias dos filósofos para construir uma narrativa ligeiramente romanceada — usando como personagens centrais: Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre e Beauvoir —, apresentando todo o conhecimento fora do reino da abstração e focado nas histórias, relações, ações e decisões ao longo do século XX. Desta forma, a leitura permite-nos não só compreender os objetivos, alcance e limitações da corrente, como o contexto das suas origens e desenvolvimento. Ao chegar ao final, sentimos conhecer de perto não só aquelas pessoas e o seu tempo, mas acima de tudo as razões que suportaram as suas ideias.

É provável que muito do meu carinho por este livro emane do facto de sentir, num plano mais pessoal do que científico, uma enorme proximidade com as ideias do existencialismo, e ter sempre sentido grande interesse pelos vários proponentes do mesmo. Julgo que isso se deve ao facto da corrente se alicerçar na esfera de interesses da psicologia. Na vontade de estudar e compreender o que somos, como somos e porque somos. Contudo, e apesar desse foco, a corrente apresenta o problema do método que usa para chegar ao conhecimento que diverge totalmente da psicologia, baseando-se na mera análise subjetiva da realidade. Se a análise do comportamento humano é em si mesmo algo já bastante complexo pela impossibilidade de nos colocarmos do "lado de fora", limitar essa análise à mera auto-análise como fez Freud, torna tudo ainda mais irrelevante, naturalmente de um ponto de vista científico.

Ainda assim, não posso deixar de recomendar tremendamente a leitura, porque se aprende imenso sobre Heidegger, o confronto entre as suas ideias e a defesa do nazismo, sobre Sartre, e o confronto entre a integridade das ideias e a dura realidade da biologia, sobre Beauvoir, Ponty, e todos os demais do grupo que passou por Paris, sobre o pensamento da época da segunda guerra, o pós-guerra e depois os intensos anos 1960. É toda uma viagem por entre cabeças cheias de ideias, debatendo-se consigo e com o mundo, num movimento frenético de vontade de chegar a conhecer, saber, dominar o mundo das ideias. 

Talvez aquilo que mais me desiludiu foi o próprio Sartre, pois no caso de Heidegger já não esperava muito, ainda que Bakewell faça um excelente tratamento da persona do alemão. O grande mantra de Sartre, de que “A Existência precede a Essência” é de uma enorme fragilidade, tanto que me vi a mim mesmo, a chocar de frente, pois tinha concordado em parte com ele, aquando da leitura sobre a logoterapia de Viktor E. Frankl, quando este diz que a vida tem sempre um sentido, e que nós somos sempre livres de comandar o sentido que lhe oferecemos. Ora isto é apenas verdade em parte, e todos o devíamos saber, pois já Aristóteles tinha demonstrado que temos continuamente de abrir exceções morais de particularização aos postulados da ética. As condições da nossa essência determinam as escolhas da nossa existência, é assim com a sexualidade, assim como é assim com os genes passados dos nossos pais, e ainda pelos ambientes e pessoas que nos formaram. Podemos racionalizar, mas não podemos virar-nos do avesso, não somos uma coisa, somos seres humanos, complexidade feita de corpo e mente em diálogo permanente. No final, sigo Beauvoir e Camus, pois se tenho alguma certeza sobre o que somos, é de que somos feitos da capacidade de ser em cada momento o que conseguirmos ser, e tal acarreta por vezes contradições que não nos tornam menos dignos, antes pelo contrário, nos tornam mais humanos.


5/5

2 comentários:


  1. Olá Nelson,
    Somos dois a sentir essa proximidade com o movimento existencialista, até costumo dizer que houve duas matérias aprendidas na escola que tiveram da minha parte uma grande adesão imediata: o existencialismo e a teoria de Darwin.
    O que dizer de Sartre, quando se adora a sua A Idade da Razão e se detesta a A Náusea?
    Quanto à questão que levanta, recorro uma vez mais a Vergílio Ferreira, pois talvez ajude a esclarecê-lo:


    «O que é então o Existencialismo? Sartre define-o, como vimos, a partir do princípio de que, não existindo Deus, «há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por um conceito», sendo este ser «o homem», ou, como diz Heidegger, a «realidade humana».
    Para Sartre, portanto, o homem primeiro existe e depois é; primeiro age e depois define-se a partir de tal acção. Não tem o homem pois uma «natureza» dada previamente, não se define antes de existir, mas a sua definição, o que ele é, a sua «essência», será o que ele fizer, será o que ele se constrói, existindo.
    O homem, pois, faz se (como já Mirandola pensou em De hominis dignitate) ou é, genericamente, a «soma» dos seus actos (como Malraux proclama).»

    PS-deixei um pequeno comentário no seu post anterior.

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    1. Excelente apontamento de Vergílio Ferreira, muito obrigado pela partilha.

      Ainda não li a Idade da Razão, mas também não gostei de A Nausea :)

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