julho 03, 2022

A vida de Montaigne, segundo Bakewell

Adoro Montaigne, mas soube-me a pouco o livro de Sarah Bakewell, "How to Live, or a life of Montaigne in one question and twenty attempts at an answer" (2010) de quem tinha adorado "At the Existentialist Cafe: Freedom, Being, and Apricot Cocktails" (2016), talvez porque sabia menos sobre Sartre, Beauvoir e Heidegger. Já me tinha acontecido com o livro de Stefan Zweig, "Montaigne" (1942), sobre o qual disse "não se pode chamar a um texto que aglutina um conjunto solto de ideias sobre alguém uma biografia". E agora com Bakewell, voltei a sentir um pouco disto mesmo. Contudo, refletindo, talvez o problema não esteja nos biógrafos, nem tão pouco no biografado, mas na obra principal deste. O brilho dos "Ensaios" (1580) está no modo como nos dá acesso ao modo de ver do próprio Montaigne. Lendo os Ensaios conseguimos em vários momentos calçar as suas botas e viajar pelo seu mundo. Uma viagem que segue pelo meio dos seus pensamentos, sem inícios nem fins, já que é de um modo associativo que cada ensaio se vai desenvolvendo e nos oferecendo acessos ao seu mundo interior e ao passado. Tentar transformar este mundo rizomaticamente livre num encadeado fixo de momentos temporais parece estar destinado à decepção.

Não posso dizer que não tenha absorvido nada deste livro de Bakewell, seria desrespeitoso da minha parte. Ela trabalha o livro em três grandes camadas: os factos da vida de Montaigne; os grandes temas dos Ensaios; e por fim dá conta do modo como Montaigne foi visto pelos seus sucessores, nomeadamente Descartes e Pascal mas também os filósofos do Iluminismo, os Românticos, Nietzsche, Virginia Woolf, entre outros. Tudo junto acaba por criar uma atmosfera que posso apelidar de montaigniana, já que não raras vezes nos sentimos transportados para a sua torre, para a sua biblioteca, para o seu tempo. 

O livro está organizado em 20 capítulos, cada um oferece uma resposta baseada em Montaigne à questão "Como viver?", como se pode ver na imagem abaixo:

No final, ficou-me uma ideia principal, não só por estar em oposição aos estóicos que Montaigne seguia, mas por estar em oposição ao próprio espírito deste livro de Bakewell. Montaigne nunca tentou pôr no papel teorias sobre o que deveria ser ou não ser. Ele limitava-se a seguir o que sentia e fazia, e quando mudava de opinião não olhava para trás, continuava em frente. Assim, a ideia central do livro de Bakewell acaba por ser virada do avesso ao chegar ao Capítulo 17, com Montaigne a demonstrar que vida não é feita de princípios é feita de uma sucessão de situações e decisões que nos mudam, transformam, e ajudam a ver de novo e diferentemente o passado. 

"Montaigne did not smear his words around like Joyce, but he did work by revisiting, elaborating, and accreting. Although he returned to his work constantly, he hardly ever seemed to get the urge to cross things out, only to keep adding more. The spirit of repentance was alien to him in writing, just as it was in life, where he remained firmly wedded to amor fati: the cheerful acceptance of whatever happens.

This was at odds with the doctrines of Christianity, which insisted that you must constantly repent of your past misdeeds, in order to keep wiping clean the slate and giving yourself fresh beginnings. Montaigne knew that some of the things he had done in the past no longer made sense to him, but he was content to presume that he must have been a different person at the time, and leave it at that. His past selves were as diverse as a group of people at a party. Just as he would not think of passing judgment on a roomful of acquaintances, all of whom had their own reasons and points of view to explain what they had done, so he would not think of judging previous versions of Montaigne. “We are all patchwork,” he wrote, “and so shapeless and diverse in composition that each bit, each moment, plays its own game"." Sarah Bakewell, Capítulo 17

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