“The Self Illusion: How the Social Brain Creates Identity” (2012)
Sobre o livro em si, dizer que pode ser muito interessante para quem não acompanha a área dos estudos da psicologia, psicologia social ou neuropsicologia, mas para quem segue o assunto, o livro pode tornar-se algo aborrecido, já que grande parte dos exemplos e estudos apresentados foram já amplamente debatidos por muitos outros autores. Hood faz uma resenha ao longo de todo o livro dos estudos mais importantes na área para suportar a ideia central e conclusiva do seu livro. Nesse sentido, o melhor do livro acaba sendo o início do capítulo “Why Our Choices Are Not Our Own” e todo o último capítulo, “Why You Can’t See Your Self in Reflection” de síntese das ideias e conclusões. Desta forma, podemos dizer que temos material para um paper longo, digamos de 20 a 30 páginas, mas não temos propriamente material para um livro, a não ser que queiramos encarar o mesmo como uma introdução à área.
Na verdade as conclusões de Hood não são novas, muito do que é aqui dito pode ser encontrado anteriormente em Platão (Filósofo), Espinoza (Filósofo), William James (Psicólogo), Erwin Goffman (Sociólogo), Douglas Hofstadter (Físico) ou mesmo Philip K. Dick (autor de ficção científica). A diferença é que Hood apresenta fundamento científico para suportar as suas afirmações. Anteriormente tínhamos especulação filosófica sobre o modo como funcionamos, hoje podemos ter um pouco mais de certezas sobre os processos, porque temos mais evidência empírica. Por outro lado Hood não se fica pelas evidências, e avança por questões profundamente filosóficas adentro, trazendo para o centro da mesa a problemática do determinismo, discutindo-o nos fundamentos que suportam o EU, incorrendo nos mesmos problemas dos autores anteriores, a ausência de evidência. Aliás, por isso se diferencia totalmente do trabalho de Damásio no campo da consciência, já que este limita o seu discurso ao que é demonstrável. Damásio apresenta as suas dúvidas, e deixa as questões para quem quiser continuar a investigar, enquanto Hood se deixa levar pela ânsia de dar respostas.
Indo directo a esta diferença com Damásio, Hood não se limita a declarar que o nosso EU é uma ilusão porque construída na base das experiências sociais vividas. A partir desta constatação Hood afirma que na verdade não existimos enquanto EU, porque somos e fazemos apenas aquilo que o sistema em que estamos inseridos nos permite. Ou seja, Hood assume uma perspectiva do mundo determinista, e esquece por completo o que dá origem ao processo de consciência. Mas na verdade, como Damásio afirma no seu último livro, continuamos a não saber o que produz o processo de consciência em nós. A única coisa que sabemos é que “somos feitos” de frágeis memórias, vividas, sentidas e experienciadas, nada somos sem elas. Por isso nos choca tanto doenças como o Alzheimer, quando estas atacam, o nosso corpo continua vivo, mas o nosso EU desaparece. Ou seja, sabendo que não existe nenhum fantasma, alma ou homunculus dentro de cada um de nós, falta-nos perceber como damos sentido a um amontoado de memórias, representações mentais feitas de imagem, som, cheiro e textura. Damásio diz-nos que somos feitos de um fluxo autobiográfico, mas falta perceber como se forma este fluxo, no fundo como emerge a consciência.
Dizer que somos aquilo que o universo nos permite, que fazemos apenas aquilo que as nossas experiências nos permitem, é dar um salto nas etapas de análise do problema. Porque se não sei como emerge a consciência, torna-se muito complicado afirmar que esta simplesmente faz o que lhe é permitido. É verdade que de um ponto de vista determinista, tudo aquilo que fazemos é fruto de condições anteriores, a grande questão que se coloca, é quem para além de nós pode conhecer certas condições anteriores, se não apenas a nossa consciência. Por isso é que só ela pode tomar certas decisões, ainda que saibamos que estas dependem de um conjunto de pressupostos que a condicionam.
Seguindo ainda nesta discussão entre Damásio e Hood discordo completamente das assunções que Hood retira do “experimento do botão” e da sua relação com o livre-arbítrio. Deixo um resumo do experimento, retirado do livro,
“Imagine that I ask you to push a button whenever you feel like it. Just wait until you feel good and ready. In other words, the choice of when you want to do it is entirely up to you. After some time, you make the decision that you are going to push the button, and low and behold you do so. What could be more obvious as an example of free will?…Isto na verdade não apresenta nada de chocante, pelo menos em 2010, depois de tudo o que já descobrimos sobre a ausência de qualquer dualidade mente/corpo. Damásio foi o primeiro a colocar o dedo na ferida, mas depois dele muitos outros o corroboraram. Não existe EU etéreo, o EU é feito de memórias vividas, mas essas estão registadas no nosso corpo. Para além da questão corpo/mente, temos ainda a questão do consciente e não consciente. Sabemos que o nosso córtex pré-frontal mantém acessível à consciência apenas excertos de tudo aquilo que está espalhado pelo nosso cérebro e corpo, e ainda bem, não conseguiríamos lidar com tanta informação simultaneamente. Deste modo é natural que o processo de tomada de decisão de apertar o botão ocorra bastante antes de eu ter a consciência clara de que o desejo fazer, porque antes disso, ocorre todo um processo interno de acesso a memórias espalhadas pelo cérebro, e emoções espalhadas pelas nossas vísceras. A decisão forma-se no corpo, o não consciente ganha ideia de que o deve fazer, e só depois o consciente recebe a informação para avançar, já depois dos músculos do dedo a terem recebido.
Of course, in making a decision, we also experience a conscious intention or free will to initiate the act of pushing the button about a fifth of a second before we actually begin to press the button. But here’s the spooky thing. Libet demonstrated that there was a mismatch between when the readiness potential began and the point when the individual experienced the conscious intention to push the button…
Libet established that adults felt the urge to push the button a full half second after the readiness potential had already been triggered. In other words, the brain activity was already preparing to the press the button before the subject was aware of his own conscious decision…
One might argue that half a second is hardly a long time but, more recently, researchers using brain imaging have been able to push this boundary back to 7 seconds. They can predict on the basis of brain activity which of two buttons a subject will eventually press. This is shocking.”
Dizer que isto configura ausência de livre-arbítrio é no mínimo estranho. Segundo Hood isto incomoda-nos porque “We want to believe that we are more than fleshy computing devices that have evolved to replicate. We are not simply meat machines.”. Pois é verdade que as pessoas desejam isso, a religião é a maior prova desse desejo, mas a ciência tem feito o seu caminho e demonstrado que é apenas isso que somos, máquinas biológicas. Máquinas que operam condicionadas pela sua própria forma, assim como pela forma do sistema em que estão inseridas. O livre-arbítrio é reduzido, e no fundo podemos apenas dizer que ele se limita ao nosso pensamento, mas existe, ele representa aquilo que chamamos de consciência, o problema é que não percebemos ainda o que é no fundo a consciência.
Links de interesse
A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma, in Virtual Illusion
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