junho 25, 2022

"Jerusalém", edição atualizada (2021)

Quis ler “Jerusalém” (2011/2021) de Simon Sebag Montefiore para tentar compreender um pouco melhor um fascínio que desconheço. Queria perceber como é que uma cidade que não contribuiu com qualquer ideia para o avanço da humanidade conseguiu manter-se sempre presente nas agendas do mundo ao longo de mais de 3 mil anos. A leitura, apesar de muito boa, deixou-me ainda mais perplexo. Montefiore faz um trabalho brilhante de inclusão que se sintetiza numa frase: "Naquele momento, o conceito de santidade no mundo judaico-cristão-islâmico encontrou o seu lar eterno". E assim podemos perceber que todo o fascínio da humanidade por esta cidade assenta numa fábula de Origem. A eterna indagação interior, “quem somos e de onde vimos?”, fez rumar ali, ao longo de milhares de anos, das mais altas personalidades de todas as três grandes religiões — reis, imperadores, califas, imãs, rabinos, papas. Muitos levaram consigo os seus exércitos, tendo Jerusalém sido sitiada, atacada e capturada dezenas e dezenas de vezes, incluindo duas vezes em que foi completamente arrasada, não restando pedra sobre pedra. Jerusalém nunca foi além do punhado de pedras num deserto, mas a sua resiliência demonstra o poder humano do contar de histórias.

“Jerusalém tem o costume de desiludir e atormentar conquistadores e visitantes. O contraste entre a cidade real e a cidade celeste é de tal maneira atroz, que o hospício da cidade recebe uma média de cem pacientes por ano com a Síndrome de Jerusalém, uma patologia constituída por uma sucessão de momentos de expectativa, deceção e desilusão.” 

Se o livro se lê de modo muito fluído, não deixa de nos frustrar sempre que termina um capítulo para iniciar o seguinte, já que tudo fica apenas pela superfície. Montefiore opta por traçar uma história cronológica da cidade, a partir da qual toca em múltiplos momentos históricos relevantes — de Canaã à Babilónia, dos Persas e  Macedónios aos Romanos e Bizantinos, de Jesus e Herodes, de Ummayad e Fatimid aos Cruzados, de Saladino e Ricardo Coração de Leão, dos Otomanos aos Britânicos, do Zionismo ao Holocausto, e ao Estado de Israel. Cada um destes momentos daria um outro livro de 800 páginas, por isso dificilmente Montefiore poderia fazer melhor, por outro lado, poderia ter centrado a discussão em menos pontos, mas aí as críticas seriam ainda mais duras.

A fluidez é conseguida porque Montefiore não se resigna ao registo de História, ele conta histórias, e muitas delas são mais mito do que facto. Toda a primeira parte do livro é muito baseada no Antigo Testamento, ainda que as notas de rodapé façam o trabalho de factualização, fica um sentimento estranho. Mas talvez não tão estranho, se assumirmos, como disse acima, que Jerusalém é mais histórias e menos lugar real. E no entanto, mesmo seguindo este caminho, o resultado nunca é bonito, temos pela frente continuas guerras, pilhagens, expulsões, proibições, destruições, violações, torturas, genocídios, e sempre sangue, muito sangue. Jerusalém nunca parou de elevar a sua sacralidade pela homenagem da vida à custa da morte. Acima de tudo, a história ao longo de 3000 anos mostra que Jerusalém é uma cidade feita de paixões, pura emoção, onde a razão não entra. Torna-se difícil, se não impossível, acreditar que no futuro a médio-prazo possa vir a existir paz ou tranquilidade naquele lugar. 

No final, percebi melhor o que produz o fascínio que atrai tantos milhões, ainda que me custe a aceitar que esses milhões se deixem seduzir por algo tão simples e redutor. Se compararmos os contributos de outras cidades próximas na geografia e épocas — como a Babilónia, Atenas, Alexandria ou Roma —, o vazio de Jerusalém torna-se por demais saliente. 

2 comentários:

  1. Interessante a tua análise, e fico com curiosidade de ler o livro. No entanto deixo-te uma pergunta acerca de uma das tuas conclusões: achas mesmo que Jerusalém não deu nada ao mundo? É o mundo e a vida humana apenas constituída por factos que podemos comprovar em laboratório ou teses que seguem uma lógica cartesiana? Será que as paixões, os desejos, os ódios, as angústias, o sofrimento, a alegria não são nada verdade aquilo que mais caracteriza e diferencia o ser humano? É que a mim me parece que aquilo que é o legado de Jerusalém, e que a diferencia de Roma ou Alexandria, Babilónia ou Atenas, é precisamente nos ajudar a comprender e lidar com estes lados subtis do ser humano.

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    1. Olá, não sei quem é Anónimo. Contudo, deixo algumas considerações.

      O meu comentário é exagerado, mais figurativo, não devendo ser levado à letra. Todos contribuímos para o nosso avanço, e uma cidade com a dimensão de Jerusalém contribuiu tremendamente para aquilo que somos hoje, em 2022.

      Podemos afirmar-nos como não religiosos, mas isso não invalida a importância das religiões para a vida em sociedade e o facto de ter sido um pilar civilizacional.

      O que eu queria dizer é que atendendo à projeção e presença da cidade na consciência de quase todo o planeta, o que ela nos ofereceu não justifica tanta reverência. Por comparação, outras cidades que contribuíram muito mais para o nosso bem-estar hoje, são completamente desconhecidas da larga maioria da população.

      Existe uma adoração a esta cidade que é sustentada em ideias abstractas sem sustentação no mundo real, o que não teria qualquer problema se não carregasse com isso toda uma enorme carga de violência e destruição que acaba por nos obrigar a questionar o verdadeiro contributo de tudo o que ali está em questão.

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