"Uma Estranheza em Mim" (2016) precisa de ser lido lentamente para se entrar no mundo doce-melancólico criado por Pamuk e sorver tudo o que a sua escrita nos oferece. A Istambul pobre da segunda metade do século XX não parece muito diferente do Portugal pobre da primeira metade desse século, por isso é muito fácil relacionar com a galeria de personagens apresentada, os seus medos, ânsias e indefinições. Apesar da pobreza, a Istambul desse tempo apresenta-se como o El Dorado dos turcos do interior, acabando a converter a sua população de 3 milhões nos anos 1970 em 13 milhões em 2012.
Pamuk faz-nos atravessar estes 40 anos pela mão de um vendedor pobre que migrou para Istambul com o pai para vender boza (bebida tradicional turca). Acompanhamos a sua adolescência, noivado e casamento, aprendemos sobre a ocupação de terrenos baldios, e sobre as forças ideológicas sustentadas nas origens migratórias de cada bairro. Seguimos Melvut quando se torna pai e como aprende a relacionar-se com os sogros, as cunhadas e os vários empregos. Enquanto vemos Melvut passar pela vida vamos percebendo não só como Istambul muda radicalmente, mas como essa mudança, na sua imensidão e omnipresença, acaba forçando a mudança dos indivíduos, das famílias, comunidades e seus rituais.
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