Sight (2012) aparece no seguimento do
Project Glass (2012) lançado pela Google no início deste ano. A Google, e mais ainda
Sight vão num sentido completamente diferente daquele que víamos ser explorado até aqui no cinema,
Minority Report (2002), ou em projectos de visualização do futuro das tecnologias de interacção humano-computador, como
A Day Made of Glass... (2011), nomeadamente no campo das interfaces e do design de interacção. E o melhor deste filme é que é apenas um filme de estudantes - Eran May-raz e Daniel Lazo -, vindo de uma das universidades mais interessantes da actualidade em termos de animação e VFX, a
Academia de Bezalel, Israel.
Sight vai muito além do vídeo do Project Glass, em todas as frentes, aqui a tecnologia de interfaces torna-se de uma vez só totalmente invisível, velho sonho de todos os designers deste campo. Tudo está embebido directamente nos olhos das pessoas. E a interface está não apenas em rede, como consegue detectar toda a realidade envolvente, ambiente, objectos e pessoas. Em termos de sistema de interfaces é como se todo o mundo estivesse ligado a uma enorme base de dados, do tipo do Facebook, com todos os descritivos, e nós lhe pudessemos aceder apenas olhando para os objectos ou pensando sobre eles.
Depois no campo do design de interacção, surge então o grande modelo do momento, a
gamification. Todas as actividades agora realizadas por cada indivíduo que faz uso do Sight são geradas em função de objectivos concretos, perfeitamente delineados e delimitados, com recompensas claras e identificáveis. Já não fazemos as coisas porque é o nosso dever, ou porque fica bem, ou porque desejamos, mas apenas e só para cumprir missões, conquistas pontos e medalhas, subir na respeitabilidade, ou qualquer outro parâmetro moral que desejemos.
O que temos com esta tecnologia, é o desenvolvimento de toda uma sociedade parametrizada, e etiquetada, disposta em patamares hierárquicos. Porque tudo é parametrizado, e atingível por todos os que cumpram com as regras, a sociedade à partida torna-se mais transparente. Todos sabem o que é necessário para mudar de patamar, o que é preciso fazer, não existem sobressaltos, porque tudo depende do mérito do empenho de cada um. Ou talvez não. Aliás é exactamente com isso que o filme termina, com uma possível fonte de perturbação ou corrupção de todo o sistema.
Para além da possibilidade de corrompimento dos sistemas, existem aqui várias outras questões que me deixaram a reflectir, sendo que a mais relevante parece-me ser a nossa incapacidade cognitiva para lidar com tanta informação em tempo-real. Embora até aqui o filme tente dar respostas ao fazer uso de rotinas de IA que ajudam a tomar decisões, como acontece quando o protagonista usa uma "
dating app"
Wingman. Ainda assim levantam-se muitos problemas aqui, aliás todo o filme é rico a desafiar-nos.
Quanto ao final apesar de negro, não é propriamente distópico, mas do meu lado é inevitavel olhar de frente para a distopia aqui gerada. O que podemos retirar de
Sight é que as tecnologias que criamos se reproduzem e evoluem a um ritmo alucinante, e os nossos corpos, como meras máquinas orgânicas vão mantendo-se muito homogéneas ao longo do tempo. O que me leva ao óbvio, quanto mais a tecnologia evoluir, mais dependente seremos desta para nos movimentarmos no mundo. Quando nos dermos conta, não passaremos de baterias ligados a máquinas em estados de semi-coma, vivendo em mundos de cores e formas. Uma nova explicação para a
Matrix?