julho 03, 2012

Obra-prima do imaginário contemporâneo

I, pet goat II (2012) é a nova pérola das curtas de animação 3d, uma verdadeira obra-prima criada pelo novo estúdio de Montreal, o Heliofant. Como já vai sendo hábito cada estúdio novo que se lança no mercado abre-se ao mundo com um pequeno filme capaz de demonstrar do que são capazes e também deixando uma mensagem sobre aquilo ao que vêm.


Como nos diz Andrew Allen do Short of the Week, os melhores filmes inovam no estilo ou na história, ou seja conteúdo ou forma, e raramente em ambos, ocasionalmente existem alguns que se destacam e este é um desses. É um filme capaz de nos questionar, sem propriamente elaborar demasiado as questões, ou desvendar aquilo ao que vem mas fazendo-o com um recurso estético tão elaborado que somos incapazes de lhe ficar indiferentes. Diria que temos uma obra experimental capaz de ser surreal, mas porque mantém um certo nível de classicismo, obriga-nos reconsiderar para uma obra minimalista, no que ao conteúdo se refere. Já na estética visual estamos perante uma obra claramente barroca, capaz de extrair o máximo de efeito de cada dimensão visual e sonora.


A história do filme, apesar de algo bizarra e muito experimentalista, joga na base de um grande minimalismo que nos vai dando pequenas pistas visuais e construções de relações que nos permitem extrair sentidos. Abaixo procuro contruir sentido do que vi, provavelmente cada um de vós verá coisas diferentes, ainda assim o ponto nevrálgico da história assenta numa mescla de elementos do imaginário contemporâneo popular criado pelo fluxo de informação que circula na televisão e internet.


Desde a política americana, à guerra contra terrorismo, ao fundamentalismo religioso, passando pelo afogamento do socialismo, pela destruição das novas gerações em África, e pelo encantamento da China e India pelo capitalismo, assim como à produção de pensamento único por via da televisão. O mundo desmorona-se mas temos Cristo que atravessa tudo de olhos fechados como que evitando a agressão, atingindo um momento em que a mudança se dá com as primaveras árabes, em que o mundo se abre em direcção à luz, e nos desprendemos por completo de todos os fundamentalismos. Como dizem os autores do filme, é "uma história sobre o fogo no coração do sofrimento".


No campo da estilística ou forma, temos um filme quase sublime. A modelação e animação 3d são muito boas, mas o que nos impressiona são os shadings levados ao limite, correndo o risco quase de resvalar para o kitsh, em que as superfícies assumem uma dimensão muito plástica, mas que faz sentido no jogo com a história. A palete de cores é muito forte e altamente saturada, contribuindo para o efeito plástico, mas que fica muito bem trabalhada com a iluminação criada. O character design é belíssimo, os personagens estão não só muito bem desenhados como são dotados de uma excelente coreografia que os cola numa sintonia total com aquilo que o filme nos vai dizendo. A juntar a isto a cinematografia é construída sob uma base de movimento contínuo, com enquadramentos perfeitamente fotografados e uma montagem completamente invisível. Para fechar, este filme seria completamente diferente, não tivesse a banda sonora que têm, que é muito poderosa e carrega o metrónomo de todo o desenvolvimento cénico e narrativo às costas.


Todo este conjunto é apenas possível graças ao facto de a Heliofant apresentar na sua equipa pessoas tradicionalmente pouco comuns num estúdio de 3d, como sejam os artistas de dança ou os músicos que trabalham em conjunto com os artistas visuais e de 3d. O resultado final funciona como uma elaborada jornada de grande teatralismo à custa do desempenho de todos estes artistas que participam para a criação de um objecto convergente, capaz de identificar a especificidade da Heliofant.

I, pet goat II (2012), de Heliofant

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