"Pachinko" é maravilhoso pela forma como nos enreda na saga de uma família de emigrantes coreanos que migra para o Japão no início do século XX, levando-nos a experienciar os efeitos profundos dessa decisão sobre múltiplas gerações posteriores. É uma lição de História sobre o modo intolerável como o Japão tratou os seus vizinhos no século passado, com Min Jin Lee a dar conta do mais profundo racismo japonês, algo de que já aqui tinha dado conta na relação com os vizinhos chineses. "Pachinko" não é um grito ativista, como “The Rape of Nanking” (1997), é uma novela de ficção histórica, dá-nos a conhecer pessoas "reais" repletas de medos e desejos. Mas através da imensidão de personagens apresentadas consegue transportar-nos para cada uma das décadas desse século, consegue acima de tudo dar conta de um modo de estar que aparenta ser próprio da emigração coreana, mas que aproximo tremendamente da emigração portuguesa ocorrida nesse mesmo século para a Europa. É um modo baseado numa enorme humildade e simultaneamente numa vontade de trabalhar e aprender para oferecer às gerações seguintes mais do que aquilo a que tiveram acesso. Pessoas com muito pouco, mas dotadas de enorme resiliência, capazes de aguentar a humilhação, a infâmia, e ainda assim continuar a remar para que os seus, a sua família, possa encontrar um porto seguro. Quando chegamos ao fim da odisseia de Sunja, a protagonista, é impossível não sentir o peso das decisões que cada geração foi forjando, mas também do acaso que contribuiu para a transformação de cada uma das personagens, ecoando um sentimento de orgânico, de vida vivida, plena de significado.
Seria fácil para Lee usar e abusar da tragédia, algo que abunda, mas nunca o faz. Por vezes, somos surpreendidos com um murro no estômago, mas Lee desvia dali o foco. Cabe ao leitor dar significado ao que está a ler, e não ser subjugado pelo sentimentalismo imediato. Por isso, não se esperem acusações gratuitas contra o Japão e japoneses, mas elas estão lá. Ler, compreender e interpretar fará com que sintam um nó bem fundo com todo o normativo xenófobo e divisor de classes que contribui para a destruição interior de cada ser humano. Ainda assim, os personagens dotados de uma resiliência avassaladora, inspiram-nos e continuam a fazer-nos acreditar nesse humano, mesmo quando a alguns essa resiliência falta... Mas é de realismo que Lee nos fala, algo que se torna claro quando chegamos aos agradecimentos finais e percebemos que o livro esteve quase 30 anos em desenvolvimento, tendo sido suportado não apenas por pesquisa literária, mas também por muito trabalho de campo.