maio 07, 2023

Educação: uma fraude promovida pelo Expresso

O Expresso promoveu conversas sobre o futuro do ensino universitário, tendo convidado para as conversas o diretor da Escola 42 e o presidente da Egas Moniz School of Health & Science, duas escolas privadas que tendo na sua missão objetivos dignos, não deixam de ser instituições com objetivos económicos muito claros, que para se diferenciarem oferecem um discurso, fundamentalmente, baseado em modelos de Ensino Profissional para o Ensino Superior. Pelo meio disto, o Expresso, no seu site e num post no Facebook, patrocinado para obter maior alcance, destaca numa frase, sem aspas, ou seja conclusão sua, que "5% é a taxa de retenção de conhecimento numa aula teórica". Esta frase é uma mentira construída a partir de um número que é uma fraude científica. 

Este número, 5%, é baseado num gráfico de 1946, de Edgar Dale, que não falava de nada disto, mas tinha a mera intenção de diferenciar os tipos de aprendizagem na relação com informação abstrata e informação concreta. Um funcionário da empresa de petróleo Mobil, nos anos 1960, adicionou-lhes as percentagens para um texto da empresa, e desde então tornou-se uma referência, pasme-se, científica! Assim, ao longo do tempo, e sem qualquer sustentação empírica, o gráfico foi sendo adulterado, para além das percentagens com referências a questões como memória e retenção, e pode hoje ser encontrado em centenas e centenas de artigos e livros na área da Educação, assim como noutras áreas, como a da Medicina, apresentado como se tratasse de evidência empírica, que não é.

Não é possível medir quantitativamente aquilo que cada um de nós aprende em contacto com cada um destes elementos, porque tal depende acima de tudo da forma dos materiais, do conteúdos dos mesmos, do interesse das pessoas nos mesmos, da experiência anterior com os mesmos, da disposição emocional e de atenção no momento, assim como do tempo que passou após a experiência, etc.etc. Tem havido muitas tentativas para desmentir isto, pesquisem no Google Scholar ou no Science Direct e encontrarão imensas referências, deixo algumas pistas abaixo.

Mais importante, nem todo o conhecimento tem forma concreta, limitar a aprendizagem ao concreto é diminuir o alcance do pensamento humano, e acima de tudo diminuir as faculdades críticas dos alunosPor isso as aulas expositivas continuam sendo extremamente importantes, porque sem elas, estamos apenas a criar funcionários, pessoas que realizam tarefas e cumprem funções, não pessoas que pensam.

Tendo ainda ontem participado numa mesa redonda do INCTE2023, em Bragança, com a Susana Peralta e o António Cortez, sobre os desafios futuros do ensino num mundo conectado, achei que devia dedicar algum tempo a desmontar mais uma vez este assunto, por considerar que mina totalmente o discurso que é necessário realizar.


Algumas fontes:

. Artigo web simples que desmonta todo o processo - https://elearningindustry.com/cone-of-experience-what-really-is

. Página de Edgar Dale na Wikipedia que refere o problema, https://en.wikipedia.org/wiki/Edgar_Dale

. Edgar Dale's Pyramid of Learning in medical education: A literature review, 2013 https://www.tandfonline.com/doi/full/10.3109/0142159X.2013.800636

. The Mythical Retention Chart and the Corruption of Dale's Cone of Experience, 2014, - https://www.jstor.org/stable/44430317

. The Learning Pyramid: Does It Point Teachers in the Right Direction?, 2007, https://eric.ed.gov/?id=EJ790160

. Falei disto no meu livro "Engagement Design: Designing for Interaction Motivations" de 2020, a propósito da importância da diferenciação entre design de informação abstract e informação concreta.

5 comentários:

  1. É impressionante como estes erros se continuam a propagar ao longo de décadas, muito depois de terem sido desmentidos. Acontece o mesmo com o suposto super conteúdo em ferro dos espinafres, o desmesurado impacto do gado bovino sobre os gases com efeito de estufa... Este em particular, acerca da taxa de retenção de conhecimento, desconhecia. Obrigada por trazeres o assunto à baila.

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    1. Obrigado Ana. Eu desconhecia este mito do gases do gado bovino. Não tinha uma opinião a 100%, tinha lido várias coisas, mas na verdade nos estudos de qualidade que vou lendo, não aparecem, e por isso não costumo pensar nisso. Mas realmente, já tinha dado por mim a pensar porquê. Fui agora à procura e encontrei um site interessante. Podes confirmar que é isto?

      https://clear.ucdavis.edu/explainers/why-methane-cattle-warms-climate-differently-co2-fossil-fuels

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    2. É isto:
      https://coolclimate.org/blog-cars-coal-cows-consumption
      Em resumo, quando saíram as primeiras comparações acerca da contribuição para as emissões do gado bovino e dos transportes, compararam-se dois valores não comparáveis: os valores para o gado incluem todo o ciclo, desde a desflorestação para criar pastagens, os trabalhos agrícolas, até a refrigeração da carne pronta a consumir. No caso dos veículos, apenas se tem em conta o resultado da combustão do gasóleo/gasolina. Os próprios autores do estudo vieram logo esclarecer o erro de comparar estes dois valores, mas já não havia nada a fazer, porque o mito estava criado.

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  2. Sem querer, comentei como anónimo lá em cima!

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