Esperava mais de "Of Sound Mind: How Our Brain Constructs a Meaningful Sonic World" (2021), de um livro escrito por uma neurocientista especializada no processamento auditivo, Nina Kraus. Esperava aprofundar mais os modos como ouvimos, como damos sentido ao som e como este nos afeta. Kraus dá conta destes pontos, mas fá-lo de uma forma bastante superficial. O tom escolhido para a divulgação de ciência acaba sendo algo infatilizado, com demasiadas vezes a dar conta de suposições, repescando ideias do passado que entretanto a ciência demonstrou não estarem tão corretas como pensávamos. A ciência faz-se de constantes incertezas, mas no caso de temas tão amplamente estudados esperamos que se siga o conhecimento atual, e não aquele que tem mais alcance poético. Ainda assim, vale a leitura rápida pela primeira parte, já a segunda parte, fragmentada nos impactos em múltiplas áreas distintas, poderá interessar a quem trabalhe em cada uma dessas áreas.
O melhor: perceber que o nosso sistema auditivo está sempre ligado, encarregando-se o cérebro de encontrar filtros que inibem o som, mas que não desligam o sistema. Ou seja, estamos sempre a ouvir os comboios que passam, mas ao fim de algum tempo o nosso cérebro, detetanto a repetição, limita-se a não enviar essa informação à consciência, parecendo que não estamos a ouvir o som. Mas o sistema auditivo continua a receber os sinais e a processá-los. Este ponto é particularmente importante pelo facto de demonstrar como o ruído nos afeta mais do que aquilo que pensamos.
Menos bom: toda a discussão sobre a criação de sentido a partir do som, apresentada como algo particular, quando praticamente não se distingue do processamento visual — texto, cores, etc. Isto é um provável problema do facto de a autora não aprofundar a discussão científica, ficando-se por exemplos e metáforas banais. Existe depois algum deslumbramento, que se compreende pelo entusiasmo de Kraus com o tema, nas descrições dos efeitos sonoros nas nossas vidas, nomeadamente das extra-capacidades dos músicos, esquecendo que não se está a falar do sistema auditivo inato, mas antes das nossas competências cognitivas para criar significado que podem ser treinadas.
Mau: as várias entradas relativas aos benefícios da música, típicos do discurso de defesa das artes, mas que têm sustentação empírica reduzida. Nem a música, nem o cinema, ou os videojogos nos tornam melhores ou mais inteligentes per se. A defesa destas áreas é importante, mas não gosto do discurso, algo ingénuo, com que se tenta dar relevo a matérias por via da defesa da obrigatoriedade do seu estudo nas escolas.
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