junho 04, 2022

Escassez: Porque ter muito pouco significa muito

"Scarcity: Why Having Too Little Means So Much" já é de 2013, ou seja pertence a uma época em que economia comportamental, dos vieses cognitivos sobre a racionalização, se estava a afirmar. Aqui, o enfoque, de Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir, é todo realizado sobre a ideia de escassez, algo que já conhecemos do mundo da persuasão social, mas aqui é analisado de uma perspectiva distinta. Ou seja, sabemos que as pessoas reagem de forma mais interessada quando um produto é escasso (ex. o ouro; daí a criação dos NFT). Ou seja, as pessoas tendem a focar-se no que há pouco, nomeadamente no que lhes faz falta. Daí, Mullainathan e Shafir tentaram compreender como é que essa focagem cognitiva afeta as nossas vidas, e fá-lo não só a partir do caso financeiro, mas também das dietas, da solidão, ou da falta de tempo. 

O que Mullainathan e Shafir encontraram pode sintetizar-se em poucas palavras. A percepção de falta de recursos - seja tempo, dinheiro ou mesmo amizade - influencia a nossa tomada de decisões, podendo mesmo mudar a forma como concebemos a realidade que nos rodeia. Quando algum recurso se torna escasso, o nosso cérebro concentra todo o seu esforço na gestão desse recurso. Como tal, dirige para o mesmo todo o seu esforço, procurando a qualquer custo reduzir essa escassez. Deste modo, quando uma pessoa tem falta de dinheiro, o seu cérebro começa a bloquear todas as questões além desta, conduzindo a pessoa a tomar decisões erradas apenas com o fim de suprimir de forma o mais imediato possível essa escassez. Os empréstimos rápidos entram aqui que nem uma luva. Não pensamos nos 15% que vamos ter de pagar daqui a 1 mês, porque o nosso cérebro não dedica qualquer esforço a esse cálculo, apenas interessa suprimir a necessidade atual. 

Este ponto conduziu Mullainathan e Shafir a definir o conceito de "armadilha da escassez", que nos diz que que os nossos cérebros se concentram tão desesperadamente no que falta que pensar em qualquer outra coisa se torna quase impossível. E o que impressiona mais, é que este modo atua perante a escassez de qualquer recurso. Quando entramos em dietas, focamo-nos de tal modo em não consumir calorias a ponto de esgotar a nossa reserva de força-de-vontade e acabar por cair na tentação. Ou quando temos falta de tempo para nos dedicar à família, focamo-nos de tal modo em realizar as tarefas para ganhar tempo que acabamos por nos sobrecarregar com ainda mais detalhes que tornam impossível terminar e conseguir ter tempo livre.

Mullainathan e Shafir oferecem algumas pistas sobre como trabalhar o viés, e naturalmente que o desvio do foco é essencial, parar mentalmente de pensar em, ou pensar noutra coisa, procurar secundarizar aquilo que nos faz falta. O problema maior acontece com a falta de dinheiro em quem não o tem, porque o problema não desaparece apenas esquecendo que ele falta. Contudo, a ação aqui deve partir da sociedade, sabendo que quanto mais o pobre se esforça para não ser pobre menos conseguirá dedicar-se ao resto, nomeadamente a educação e saúde dos seus. Cria-se um ciclo de pobreza que se repete a cada geração, por isso cabe-nos a nós, sociedade, criar as condições de suporte para que aquilo que fica para trás — a educação, saúde, segurança, etc. — possa ser garantido enquanto as pessoas se concentram na busca das condições financeiras para os seus.

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