"A Enfermaria nº6" é um conto alargado, uma novela, de Chekhov que trata questões existenciais a partir da exemplificação prática. Chekhov coloca em cena dois personagens que dialogam, filosofam segundo Sócrates, e depois conduz esses personagens a passar pela prática das doutrinas defendidas. A novela funciona como um ataque ao estoicismo e à sua tendência para ignorar a emoção em função da razão, defendendo a racionalização como único caminho possível na vida:
“Os estóicos -- eram pessoas admiráveis, mas a doutrina deles estagnou dois mil anos atrás e não progrediu um passo, nem vai progredir, porque não tem um sentido prático nem realista. -- Uma doutrina que prega a indiferença para com riqueza e o conforto da vida, o desprezo para com o sofrimento e a morte é completamente incompreensível para a grande maioria das pessoas, porque essa maioria nunca conheceu a riqueza e o conforto na sua vida; ora, desprezar o sofrimento significaria para ela desprezar a vida em si, porque toda a essência do homem consiste em sensações de fome, de frio, em ofensas, perdas e no medo hamletiano da morte. É nestas sensações que está toda a vida: pode-se ter desgosto perante ela, odiá-la, mas não desprezá-la.”
O mais interessante é ver como o ataque montado por Chekhov, na forma da exemplificação, vai ao encontro de um dos aforismos de Epictetus "Não expliques a tua doutrina. Dá-lhe corpo.", mas que desse modo acaba por ainda dar mais força a Chekhov. Ou seja, Epictetus defendia que era preciso viver segundo as ideias professadas, o problema é que segundo Chekhov não se pode realmente viver os ideais professados se não se sofrerem as reais consequências das escolhas.
Esta abordagem de Chekhov foi, para mim, mais um prego no caixão do estoicismo, depois de já aqui o ter rebatido suficientemente. Doutrina imensamente apelativa, capaz de gerar grande atração por todos os que amam o conhecimento e atribuem importância à racionalização da vida, mas quando analisada no concreto, não só olhando a quem foram os seus grandes mentores (nomeadamente Seneca, uma das pessoas mais ricas do seu tempo; e Marco Aurélio, um imperador), se perde na mais simples ideia do "olha para o que eu digo, não para o que eu faço". Porque verdades teóricas, desenhadas a régua e esquadro, residem no extremo oposto da vida diária e do modo inventivo e de improviso com que o ser humano tem de lidar com a mesma.
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