janeiro 08, 2022

A Filha Obscura (2006)

Ler a "A Filha Obscura" foi uma experiência extremamente estimulante, do ponto de vista do ganho de conhecimento sobre o mundo interior das crises da meia-idade, particularmente, para mim, por me mostrar o lado feminino dessa crise. Mas foi também imensamente estranha, porque senti que estava a ler partes desconhecidas de um universo que conhecia em detalhe, a Saga Napolitana, nomeadamente o último volume "História da Menina Perdida". Nem todos os contornos batem certo, mas começa nos nomes — Leda, Nina, Elena, Gino Vs. Elena, Lenu, Lila, Nino —, passa por Florença onde vive com o marido; num uma escritora, na outra professora universitária; mas essencialmente sonhadoras e fortes numa contínua luta interior com as pressões daquilo que querem ser e aquilo que a sociedade espera que sejam. Como diz Rachel Cusk, "Elena Ferrante escreveu a sua história duas vezes".


Relembrando alguns sentimentos da Saga, julgo que neste livro mais condensado, e talvez alimentado pelo que já conheço de Ferrante, alguém que contribuiu para o meu próprio crescimento, nomeadamente no ganho de conhecimento sobre a condição de mulher no Sul da Europa, conseguiu chegar mais perto das suas razões interiores. Senti-me, neste livro, bastante menos crítico das opções que tomou, senti que cada ser na sua individualidade precisa de poder trilhar o seu caminho, incorrer nos seus erros para chegar a conhecer-se. E que nem sempre esse caminho é o mais bonito, o mais correto, nem o melhor para aqueles que nos rodeiam. 

A escrita parece-me aqui mais intensa, mais próxima de "Os Dias do Abandono" do que da Saga, que claramente adquiriu traços mais tranquilos ditados pelo amadurecimento da autora, e talvez por uma maior capacidade de não se expor tanto. Deste modo, sente-se muito o verdadeiro pensar interior atirado à página sem pudor como quem escreve memórias para não serem lidas. 

Lido na versão portuguesa, editada na compilação "Crónicas do Mal de Amor" da Relógio d'Água.


Publicado com nota quantitativa no GoodReads.

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