julho 15, 2023

I Am, I Am, I Am

Humano. Feminino. Maternal. “Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva”. Quarto livro de Maggie O’Farrell que li nos últimos 2 anos, o que evidencia o quanto me apaixonei pelo seu trabalho desde que li “Hamnet”. A sua escrita não é meramente bela, é dotada de uma capacidade descritiva particular pelo modo como produz parágrafos longamente fluídos descrevendo ações a partir dos seus efeitos psicológicos. Tendo a compará-la, ainda que cada um na sua particularidade, a Jonathan Franzen e Zadie Smith. O conteúdo do que cada um destes tende a expressar não podia ser mais distinto, nomeadamente O’Farrell não é comparável em erudição, mas o seu realismo junto à pele é bastante mais cortante. O modo é tão relevante a ponto de neste livro de memórias discordar várias vezes da sua definição do mundo, mas a intensidade honesta e humilde da forma usada apaga toda a distância que existe entre esse seu mundo e o meu.

julho 08, 2023

Their Eyes Were Watching God (1937)

"De Olhos Pousados em Deus" é uma obra de 1937, e a principal ficção de Zora Neale Hurston, uma autora hoje reconhecida pelo seu legado humanista. Formou-se pelas Universidades de Howard, Barnard e Columbia, onde realizou estudos graduados e pós-graduados em Antropologia, ao lado de Margaret Mead. Hurston tornou-se numa força cultural pelo modo como usava a etnografia para compreender a comunidade afro-americana e depois trasladava esse conhecimento para a sua produção criativa e ativismo cultural, transformando-se no rosto de vários movimentos, nomeadamente o Harlem Renaissance.

julho 02, 2023

Livros não terminados

Dois livros que queria muito ler, mas que não consegui terminar depois de perceber que não tinham nada  de novo para oferecer. Ficam duas notas breves sobre os mesmos:


julho 01, 2023

O Ponto Azul-Claro (1994) Carl Sagan

Voltar a ler Carl Sagan, em particular ouvir, aproveitando o facto de nos ter deixado uma versão áudio do livro “Pale Blue Dot”, é por si apenas toda uma experiência. Há muitos anos que não o lia. Os seus livros “The Demon-Haunted World”, “The Dragons of Eden”, “Contact”, mas muito particularmente “Cosmos” tornaram-se parte daquilo que hoje sou. Não tinha ainda lido “Pale Blue Dot”, considerado uma espécie de sucessor de “Cosmos”, mas quanto mais o tempo foi passando menos o considerava adequado ler. Sentia o receio de alguma desilusão. As leituras de fim de adolescência raramente são para repetir, nomeadamente se nos marcaram tão indelevelmente. Por isso, não me surpreendeu não ter “voado” com “Pale Blue Dot”, ainda que tenha andado muito perto. Já não vivo sob o manto da inocência de outro tempo, em que a crença otimista no humano dependia de acreditar na nossa capacidade para transformar o mundo. Sagan dá-nos uma lição de humildade, mas simultaneamente de enorme ambição, o que passado 30 anos sobre o livro, e analisada a evolução da nossa espécie nesse tempo, torna muito difícil de aceitar.

Versão portuguesa pela Gradiva. A versão audio inglesa apresenta apenas os primeiros 5 capítulos lidos por Carl Sagan, os restantes capítulos perderam-se, tendo sido lidos por Ann Druyan para uma nova versão em 2017.

Continua a valer pela beleza das suas descrições, e principalmente das suas metáforas. Continua a valer pela enorme paixão que transmite. Mas é inevitável sentir que se tornou datado.

Sobre o Ponto Azul-Claro, fica o link para a missão Voyager, onde podem encontrar toda a informação base que suporta este livro.

Black Mirror, Temporada 6, 2023

É a temporada menos conseguida, nomeadamente porque 2 episódios não possuem qualquer relação com o conceito Black Mirror (4º "Mazey Day" e 5º "Demon 79"), enquanto outros 2 ( 2º "Loch Henry" e 3º "Beyond the Sea") usam o conceito apenas como veículo para se focar noutros problemas, restando um episódio, 1º "Joan Is Awful", que se mantém totalmente fiel ao conceito. Pode pensar-se quem já tudo foi dito nas temporadas anteriores e por isso a série teve de seguir em frente, algo que não faz sentido porque o tema é simplesmente infinito. Quando muito, podemos dizer que Charlie Brooker se cansou do tema, preferiu voar para outras paragens, mas devia ter assumido isso mesmo e criado uma nova série.

junho 24, 2023

Românticos de Jenna

Depois de ler o belíssimo "The Invention of Nature" de Andrea Wulf senti vontade de continuar a ler Wulf e como "Magnificent Rebels: The First Romantics and the Invention of the Self" (2022) era o seu último livro, resolvi lê-lo de seguida. Interessou-me particularmente o subtítulo "the Invention of the Self", querendo acreditar que Wulf se centraria nessa discussão. Contudo não é disso que a autora nos fala. "Magnificent Rebels" usa como personagem principal a pequena cidade alemã de Jenna, e a sua Universidade, que em finais do século XVIII se tornaria no centro de ideias que viriam a definir o movimento hoje referenciado como Romantismo. Em Jenna conviveram alguns nomes de referência clássica como Goethe, Fichte, Novalis, Schiller, Schelling, Hegel, os irmãos Humboldt, os irmãos Schlegel e Caroline Schelling. Wulf dedica-se a dissecar os principais ideais, conversas e afetações de cada um destes autores, tentando apresentar o "Círculo de Jenna" ao nível do "Círculo de Viena" ou da "Escola de Frankfurt".

junho 18, 2023

Sendo Eu, uma ciência da Consciência

Anil Seth é professor de neurociências computacionais, com uma formação de base em ciências naturais e um doutoramento em ciências da computação. O seu trabalho no domínio das ciências da consciência tornou-se uma referência nos últimos anos, sendo não só altamente citado pela academia, como seguido pelos média tradicionais. Para esse reconhecimento terá contribuído a TED que realizou em 2017, “Your brain hallucinates your conscious reality”, que conta com 14 milhões de visualizações, e pode ser vista como uma síntese de tudo aquilo que nos apresenta neste livro “Being You: A New Science of Consciousness” (2021).

“Internato” (2017/2023)

“Internato”, de Serhij Zhadan, conta a história de um professor de Língua Ucraniana que parte da sua cidade, numa viagem de 3 dias, para trazer de volta o seu sobrinho que se encontra num internato situado num território ocupado pela guerra. Sabemos que tudo se passa no Leste da Ucrânia, mas pouco mais é dito sobre o local, assim como quem combate quem. O livro foi publicado em 2017, três anos depois da Revolução Maidan, a favor da aproximação da Ucrânia à UE, que provocou a invasão Russa que acabaria tomando a Crimea, mas não conseguiria tomar o Donbass. 


junho 12, 2023

"Infra 5" de Max Richter

O álbum "Infra" (2008) de Max Richter é talvez o álbum que mais vezes ouvi. Em particular a faixa "Infra 5" tem estado nos últimos anos quase sempre nos primeiros lugares das músicas mais ouvidas no meu Spotify. Existe algo por debaixo desta sonoridade que faz mover o meu interior. Assim que começa, desligo de tudo o resto. Fico ali, atento, a tentar seguir o tom, o ritmo, os instrumentos, tentando perceber para onde vai evoluir a cada momento, aonde me vai conduzir. Hoje, resolvi voltar a pesquisar sobre o álbum e encontrei um pequeno vídeo do compositor em que explica a motivação por detrás do álbum, e depois detalha a "narrativa" que suporta a "Infra 5". Deixo a transcrição:

"So Infra is a ballet [choreographed by Wayne McGregor] based around the events of 7/7 [subway bombings in London]. And I guess the other thing that feeds into that is the psychological landscape of the wasteland, T.S. Eliot's "The Waste Land", which sets up this idea of an unreal city, this kind of hallucinatory sort of vision of a city. The music of Infra is a series of reflections on those events."
"Infra 5 is probably the most, I guess, directly representative music on the record, in the sense that you have this music which basically gets faster and faster. So, the image of people running, that's what Infra 5 is about. And there are various kinds of other things buried in the music. Like, there's sort of melodic material, which is sort of basically sirens. The violins just play these kind of siren melodies. So it sort of embodies that people running, trying to get out. So, yeah, that's Infra." 
"Music is a sort of catalyzer for thought and reflection." 
-- Max Richter