julho 02, 2023

Livros não terminados

Dois livros que queria muito ler, mas que não consegui terminar depois de perceber que não tinham nada  de novo para oferecer. Ficam duas notas breves sobre os mesmos:



"Culture: The Story of Us, From Cave Art to K-Pop" (2023) de Martin Puchner

O livro é apresentado como "A New World History" (na edição britânica), mas não foi isso que senti. Puchner usa argumentos, usados por outros antes, de que vários historiadores têm afirmado a cultura como pertença de países e geografias. Mas o facto de Jared Diamond construir uma visão do mundo a partir da Geografia, não quer dizer que ele defenda que a cultura de cada uma dessas zonas era estanque. Não digo que não tenham existido historiadores, ao longo da História, a usar dessa abordagem, tentando justificar que a Antiga Grécia, Roma, a Europa, etc. eram lugares especiais. Mas em essência, e na atualidade, é impossível olhar à História fechados numa bolha dessas.

Ou seja, Puchner defende aqui que a Cultura é fruto da fusão e transmissão de informação entre diferentes culturas. Ora, isso é a visão atual do mundo do conhecimento visto pelas Ciências Cognitivas. Evoluímos pelo encontro com a diferença. Não é por acaso que a União Europeia investe milhões na preservação das línguas e dialetos do continente Europeu, porque sabemos que quanto mais diversos formos mais ricos culturalmente seremos. Por isso, a questão é: era preciso Puchner escrever um livro sobre isto em 2023? O que teria sido de Roma sem todo a cultura helénica? O que teria sido do helenismo sem a Babilónia? E o que teria sido do Renascimento Italiano sem a cultura helénica preservada pelas universidades do norte de África e retraduzidas para latim em Toledo? E do renascimento português sem o Brasil, África, Goa ou Japão? Assim, fazer um livro em que se conta um conjunto de histórias superficiais ao longo dos últimos milénios para suportar essa ideia parece-me uma perda de tempo, porque não acrescenta nada ao que já sabemos.

Percebo que Puchner não escreveu este livro para interessados em História, ou Cultura, menos ainda em Ciência, mas para quem tende a ignorar tudo isso, daí o piscar de olhos à K-Pop na edição americana. Puchner quer demonstrar que nem a direita tem razão em falar de singularidade cultural de nações, nem a esquerda tem razão em querer proibir a apropriação cultural. Mas quem precisaria de ler o livro para poder compreender o teor dessa mensagem não o vai ler, por isso acaba por, em minha opinião, ser uma missão votada ao fracasso.


"The Patterning Instinct: A Cultural History of Humanity's Search for Meaning" (2017) de Jeremy Lent

Queria muito ler este livro pelo título, mas ele é profundamente enganador. O instinto de padronização é algo que nos define enquanto humanos, define o modo como olhamos a realidade, a reduzimos a padrões e registamos como novos factos, memórias e conhecimento. Mas daí a usar esse conceito para discutir a evolução histórica ao longo dos séculos, parece-me bastante desinteressante. O processo cognitivo é poderoso e dá conta do modo como os humanos funcionam, mas é um processo. Os processos contaminam o modo como se constroem conteúdos, ideias, mas daí a tentar distinguir toda a história humana em função de um processo vai um salto grande. Nomeadamente porque não existem outras espécies para podermos comparar diferentes formas de processar a informação. També, porque não mudámos este processo ao longo do tempo, somos assim há alguns milhares de milénios. Por isso, não havendo como distinguir o processo de qualquer outro, sendo ele o único meio de aceder, torna-se inconsequente a tentativa de traçar uma história por meio deste processo.

Mas o maior problema acaba por sugir na superficialidade do que se discute e na fraca estrutura de todo o livro. Os tópicos vão surgindo uns atrás dos outros, com hierarquia conceptual pouco definida, sentindo-se saltos informativos por vezes difíceis de justificar.

Falta rigor, falta método, falta profundidade. Percebe-se porquê quando vemos que a formação de base do autor está distante dos assuntos que tenta aqui abordar. Por outro lado, Lent apresenta-se como um filantropo interessado na melhoria da humanidade, agora que vive de rendimentos feitos com a venda de empresas nos tempos áureos da internet, mas deveria ter procurado aprender um pouco mais sobre as metodologias de construção de novo conhecimento.

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