junho 18, 2023

“Internato” (2017/2023)

“Internato”, de Serhij Zhadan, conta a história de um professor de Língua Ucraniana que parte da sua cidade, numa viagem de 3 dias, para trazer de volta o seu sobrinho que se encontra num internato situado num território ocupado pela guerra. Sabemos que tudo se passa no Leste da Ucrânia, mas pouco mais é dito sobre o local, assim como quem combate quem. O livro foi publicado em 2017, três anos depois da Revolução Maidan, a favor da aproximação da Ucrânia à UE, que provocou a invasão Russa que acabaria tomando a Crimea, mas não conseguiria tomar o Donbass. 


Numa primeira nota, o livro é mais atmosférico do que de aventuras na estrada. Para o efeito contribuem as competências descritivas de Serhiy Zhadan que dão conta não apenas do estado dos territórios — muita destruição urbana, faltando condições básicas como electricidade e água, e explosões constantes — mas acima de tudo do espírito vivenciado pelas populações assente em dois grandes denominadores: o medo e a desconfiança. É fácil reconhecer aqui distopias lidas em tantos outros romances, com a diferença de que esta está a acontecer enquanto lemos aquelas linhas, o que contribui de forma muito intensa para produção da atmosfera dentro de nós.

O medo atravessa o sentir das personagens, ainda que alguns tentem a indiferença, mas a evidência do mesmo surge exatamente pela desconfiança que grassa entre todos. As pessoas evitam o contacto e quando necessário procuram de imediato perceber de que lado está o interlocutor. Falar ucraniano diz pouco, falar russo com sotaque ucraniano também. Por isso, não restam muitas formas de distinguir uns dos outros, o que obriga as relações a pairarem sobre uma rede constante de desconfiança. Sem apêgo, a desoladora destruição material ganha sentimentos ainda mais negros.

No entanto, o livro não defende qualquer lado, não aponta o dedo, assume-se como visão neutra do que podemos encontrar no território. Desde logo porque o nosso protagonista é apartidário, não vê televisão, não toma partido por nada, nem ninguém. Por isso, à chegada ao Internato, o mesmo é confrontado pela diretora que coloca o dedo sobre aquela que parece ser uma das grandes feridas do conflito:

"Like it has nothing to do with you. Even though you should've made up your minds and picked a side a long time ago. You're so used to hiding. So used to staying out of things, letting someone else decide everything for you, letting someone else take care of things for you. Nobody's going to decide for you, nobody's going to take care of things. Not this time. Because you saw what was going on, you knew. But you kept silent, you didn't say anything. Nobody's going to judge you for that, obviously, but don't count on your descendants' appreciation. Basically," Nina says, standing up resolutely, "what I'm saying is, don't delude yourself—everyone's going to answer for this. And those who aren't used to answering for anything will be the worst off.”

É uma novela, com uma escrita embelezada, mas assume um carácter histórico, procurando ser o mais próximo à realidade factual possível. Cabe assim ao leitor usar os dados que detém sobre a região, que em 2023 são mais concretos, para interpretar o que se passa ali, e porque reagem as pessoas como reagem. O que cria toda aquela desconfiança, do que se defendem, porque se defendem, em quê e em quem acreditam.

"Internato" foi publicado em 2017, traduzido para inglês em 2021 e para português em 2023, tendo sido publicado em Portugal pela Elsinore. Como complemento, sugiro o visionamento do filme "Donbass" (2018) de Sergey Loznitsa, disponível no FilmIn.

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