junho 12, 2023

"Infra 5" de Max Richter

O álbum "Infra" (2008) de Max Richter é talvez o álbum que mais vezes ouvi. Em particular a faixa "Infra 5" tem estado nos últimos anos quase sempre nos primeiros lugares das músicas mais ouvidas no meu Spotify. Existe algo por debaixo desta sonoridade que faz mover o meu interior. Assim que começa, desligo de tudo o resto. Fico ali, atento, a tentar seguir o tom, o ritmo, os instrumentos, tentando perceber para onde vai evoluir a cada momento, aonde me vai conduzir. Hoje, resolvi voltar a pesquisar sobre o álbum e encontrei um pequeno vídeo do compositor em que explica a motivação por detrás do álbum, e depois detalha a "narrativa" que suporta a "Infra 5". Deixo a transcrição:

"So Infra is a ballet [choreographed by Wayne McGregor] based around the events of 7/7 [subway bombings in London]. And I guess the other thing that feeds into that is the psychological landscape of the wasteland, T.S. Eliot's "The Waste Land", which sets up this idea of an unreal city, this kind of hallucinatory sort of vision of a city. The music of Infra is a series of reflections on those events."
"Infra 5 is probably the most, I guess, directly representative music on the record, in the sense that you have this music which basically gets faster and faster. So, the image of people running, that's what Infra 5 is about. And there are various kinds of other things buried in the music. Like, there's sort of melodic material, which is sort of basically sirens. The violins just play these kind of siren melodies. So it sort of embodies that people running, trying to get out. So, yeah, that's Infra." 
"Music is a sort of catalyzer for thought and reflection." 
-- Max Richter 

junho 11, 2023

A Floresta Sombria, Cixin Liu

Li o primeiro livro da trilogia "The Three-Body Problem", de Cixin Liu, em 2020 e disse que não leria o resto da série. Contudo, há dias parei na livraria a ler as primeiras páginas da recente edição portuguesa do volume 2 o que acabou por me reconquistar. Agora com as expectativas bastante mais baixas, não foi difícil gostar imenso de Cixin Liu, apesar de no revisitar da minha análise do primeiro volume tenha relembrado porque não me entusiasmou o primeiro livro. Assim, e como tantos outros leitores, acabei com a sensação de que este segundo volume supera o primeiro. Menos policial, mais existencial, mais humano. Ainda assim, Liu poderia deixar-se levar um pouco mais pelas questões que faz emergir das tramas que cria, ainda que isso fizesse perder algum público que procura ação, alimentaria mais um outro que se interessa pela especulação das hipóteses científicas.

"Emília" (2023)

"Emília" (2023), de Filipa Amaro, é a mais recente série da RTP, e apresenta um discurso inteligente sem nunca se levar demasiado a sério. Parecendo por vezes dirigida a um público mais jovem, apresenta um discurso cómico-existencialista, capaz de cruzar a realização pessoal pela arte com o síndrome do impostor e um certo niilismo suave.


junho 10, 2023

Drogas na Alemanha Nazi

“Blitzed: Drugs in Nazi Germany” (2015) chamou-me a atenção por ser um assunto muito pouco discutido, apesar da poderosa indústria química alemã. No início do século XIX, a Merck criava a Morfina a partir do ópio e no final desse século a Bayer criava não só a Aspirina mas também a Heroína que iria promover "para as dores de cabeça” assim como na forma de xarope "para a tosse das crianças”, recomendando-a mesmo para as “cólicas dos bebés", tendo conseguido manter a droga legal na Alemanha até aos anos 1950. Ainda na Primeira Grande Guerra, o nobel da Química, Fritz Haber, dedicava-se ao desenvolvimento de armas químicas, ganhando o rótulo de "pai da guerra química", acabando por impactar fortemente a Segunda Grande Guerra, uma vez que os processos químicos por si criados viriam a dar origem ao Zyklon B, o veneno que seria aspergido pelos chuveiros das câmaras de gás de Auschwitz. 

junho 04, 2023

Fukushima dramatizada

"The Days" (2023) é a mais recente série da Netflix. Conta a história do acidente da central nuclear de Fukushima, Japão, provocado por um terramoto seguido de tsunami, ocorridos em 2011. Em termos técnicos não está, de todo, ao nível de "Chernobyl" (2019), no entanto enquanto drama documental faz muitíssimo bem o seu trabalho, usando uma estética marcadamente japonesa, que a partir do 3º episódio se torna impossível parar de ver.

junho 03, 2023

Distorção da realidade

Dei por mim quase a chorar e a ter de me afastar da televisão quando esta semana estava sentado ao lado do meu pai que via um documentário no National Geographic sobre vida selvagem. Primeiro, foi um crocodilo que abocanhou o traseiro de uma cria de bufalo e ficou ali a prende-la durante uns agoniantes 10 minutos, enquanto a mãe da cria se limitava a lamber-lhe o focinho, até que o crocodilo a puxou para baixo e a afogou. Depois, veio um macho zebra que começou a atacar violentamente uma cria zebra porque esta não lhe pertencia, segundo o narrador para evitar que essa cria se revoltasse contra ele mais tarde, tendo a mãe da cria tudo feito para evitar que o macho se aproximasse, mas acabando por não conseguir evitar o pior.

maio 27, 2023

Alexander von Humboldt [1769 - 1859]

Começo por dizer que se conhecia o nome Humboldt era apenas porque ao longo da minha vida o tenho encontrado um pouco por todo o lado — de cidades a rios, serras, baías, cascatas, uma região na Lua, mais de 300 plantas e mais de 100 animais carregam ainda hoje o seu nome. Mas não fazia grande ideia sobre quem era ou o porquê dessa sua quase omnipresença, em sintonia com a grande maioria da sociedade no século XXI, apesar de em 14 de setembro 1869, na marca dos 100 anos do nascimento de Alexander von Humboldt, se terem realizado festejos por toda a Europa, Américas, África e Austrália. Houve discursos, paradas e procissões em seu nome de Melbourne a Buenos Aires, de Moscovo a Alexandria, com milhares de pessoas nas ruas de São Francisco a Nova Iorque a acenar bandeiras e cartazes com a cara de Humboldt. 

maio 20, 2023

Esquizofrenia em defesa da IA

A defesa da IA geralmente começa por identificar tecnologias anteriores que surgiram e que foram também atacadas, mas que demonstraram ser depois bem assimiladas pela sociedade. Fala-se da electricidade ou da calculadora, assim como se fala da automação de fábricas ou da internet. Apontam-se os ganhos, nada se diz sobre os impactos negativos, menos ainda sobre o enorme trabalho que foi necessário para criar regulação que sustentasse essa integração societal. Bastaria dar o exemplo do RGPD para percebermos que a internet não nos trouxe só maravilhas, e que sem regulação estaríamos bem mal. Esta mesma defesa, diz depois que a IA não está aqui para substituir o humano, é apenas um complemento. E vai mais longe, dizendo que quem não quer ficar para trás tem de entrar no comboio, usando uma expressão que já se tornou mantra no domínio: uma IA não vai substituir uma pessoa, mas uma pessoa com IA vai substituir uma sem IA. Analisemos ambos os argumentos mais em detalhe, nomeadamente o impacto das tecnologias mais recentes nas funções cognitivas.

maio 14, 2023

Sobre a Treta

"On Bullshit" (Sobre a Treta) é um pequeno livro de Harry G. Frankfurt de 2005 baseado num ensaio de 1986. Em 1986 o presidente dos EUA era Ronald Reagan, em 2005 era George W. Bush, eu ouvi falar do livro pela primeira vez em 2018, quando Trump era presidente dos EUA. Este enquadramento serve para perceber que o livro se foca no estudo da comunicação pública, nomeadamente de figuras com autoridade, apesar de não serem mencionadas no livro.