junho 10, 2023

Drogas na Alemanha Nazi

“Blitzed: Drugs in Nazi Germany” (2015) chamou-me a atenção por ser um assunto muito pouco discutido, apesar da poderosa indústria química alemã. No início do século XIX, a Merck criava a Morfina a partir do ópio e no final desse século a Bayer criava não só a Aspirina mas também a Heroína que iria promover "para as dores de cabeça” assim como na forma de xarope "para a tosse das crianças”, recomendando-a mesmo para as “cólicas dos bebés", tendo conseguido manter a droga legal na Alemanha até aos anos 1950. Ainda na Primeira Grande Guerra, o nobel da Química, Fritz Haber, dedicava-se ao desenvolvimento de armas químicas, ganhando o rótulo de "pai da guerra química", acabando por impactar fortemente a Segunda Grande Guerra, uma vez que os processos químicos por si criados viriam a dar origem ao Zyklon B, o veneno que seria aspergido pelos chuveiros das câmaras de gás de Auschwitz. 

No meio de tudo isto, os nazis que baseavam todo o seu discurso nos ideais da raça pura, assim que chegaram ao governo em 1933, decretaram a esterilização dos viciados em drogas — “Por razões de higiene racial, devemos, portanto, providenciar para que os toxicodependentes graves sejam impedidos de se reproduzir." —, para logo a seguir estipularem a “eutanásia” dos mentalmente instáveis, em que os drogados se incluíam, que contribuíra para um alinhamento mais lato dos objetivos do regime, já que a partir desta cruzada, baseada numa aparente lógica científica, acabaria por se dar cobertura à eliminação de todas as minorias que se desviavam da norma identitária ariana.

Neste livro, Norman Ohler demonstra como um regime que começa por professar uma suposta pureza anti-drogas, vai em poucos anos contradizer-se totalmente, transformando-se numa máquina de produção e consumo de metanfetaminas. Em 1937 é sintetitzado o Pervertin, e em 1938 arrancam campanhas publicitárias por toda a Alemanha anunciando o seu poder de cura da “fraqueza da circulação, baixa energia, depressão”, afirmando que “despertar a alegria nos desanimados é um dos presentes mais valiosos que este novo medicamento pode dar aos doentes”, mas que também ajudava a “aumentar a líbido e o poder sexual das mulheres”. As fábricas começam a produzir milhões e milhões de comprimidos que eram depois vendidos sem necessidade de qualquer receita, e alimentavam fortemente todas as forças armadas.

O uso de Pervertin era reconhecido pela sua capacidade de manter as pessoas despertas para além de 48 horas sem dormir, mas mais impressionantes eram os estudos realizados que atestavam a capacidade de manter a atenção focada e de alto rendimento por 10 a 12 horas seguidas, apesar dos efeitos secundários massivos na recuperação. A partir desta leitura de dados, Norman Ohler concebe uma hipótese que sustenta a supremacia inicial das forças armadas alemãs face aos aliados no Pervertin. Em termos numéricos, o exército alemão era menos numeroso que o Francês, para não dizer imensamente menos poderosos quando se juntavam os números dos franceses com os quase infinitos recursos ingleses suportados pelo seu império internacional. Contudo, munidos desta droga, os alemães conseguiam produzir ataques relâmpago (“blitzkrieg”), rápidos mas de grande intensidade contínua, que os tornavam quase imparáveis. 

O trabalho de documentação apresentado por Ohler é bastante rico, e torna bastante evidente como toda a máquina nazi foi movida à base de drogas. Não só os soldados, mas o próprio Hitler — designado na documentação como “Paciente A” — acabou por sustentar toda a pressão até ao fim munido desta e muitas outras drogas, que o seu médico pessoal lhe injetava várias vezes ao dia. 

Contudo, à medida que vamos avançando no livro, aprofundando a discussão da permeabilidade das drogas no sistema, e em Hitler, vamos nos questionando cada vez mais sobre todo aquele sistema piramidal, o culto hierárquico, a adoração ao líder supremo, nomeadamente pelas elites mais próximas. E quanto mais lemos, menos cremos na ideia de um problema criado pelas drogas. Estas ajudaram, mas o mal estava já lá na raiz, insanidade num estado bruto. A cada página só pensava, como foi possível Hitler governar durante 12 anos sem ninguém conseguir meter-lhe um tiro na cabeça? Tudo apenas terminaria quando ele próprio o fez, e no entanto não o faria sozinho:

"Quando o suicídio de Hitler se tornou público, compatriotas obedientes seguiram o seu exemplo por todo o Reich. A honra exigia-o — ou o medo das consequências. Na cidade de Neubrandenburg, por exemplo, registaram-se mais de 600 suicídios espontâneos, na pequena cidade de Neustrelitz 681 — mais de 100.000 em toda a Alemanha. Trinta e cinco generais do exército, seis generais da Luftwaffe, oito almirantes da marinha, treze generais da Waffen-SS, cinco generais da polícia, onze dos quarenta e três Gauleiter, chefes da Gestapo e do Gabinete Principal de Segurança do Reich, alguns altos dirigentes das SS e da polícia: todos fugiram da realidade, seguindo o seu Führer uma última vez."

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