novembro 12, 2020

O problema dos três-corpos

Finalmente li "The Three-Body Problem" do chinês Liu Cixin. Quando saiu em inglês, no final de 2014 e ganhou o Hugo 2015, despertou-me uma curiosidade imensa, por vir classificado como Hard SF e de uma geografia culturalmente distante, a China. A somar a tudo isto o título fazia-me pensar constantemente no "problema mente-corpo" — à data desconhecia o "problema dos três corpos" — despertando a ideia de que estaria perante uma obra de grande fulgor filosófico. Terminada a leitura, muitas das minhas expectativas saíram goradas, criando um sabor amargo na experiência. Confesso que não ajudou ter criado tantas expectativas, mas também não ajudou tanto cliché narrativo decalcado da tradicional FC americana. Faltou-me exoticismo cultural, mas acima de tudo faltou-me elevação discursiva. Sim, muitos conceitos debatidos — a variação e constância da dinâmica — são brilhantemente expostos, ainda que de algum modo com excesso de redundância, mas quando se entra pelos mundos Nano e Pico adentro, pelas cordas e não-dimensionalidade, é tudo demasiado superficial, serve apenas a complexificação da trama que acaba por terminar numa espécie de banal romance policial.

Compreendo o entusiasmo na receção à obra, dada a geografia e o sucesso do autor no seu país. Confesso também que Cixin apesar de ter uma escrita regular, sabe gerir muito bem o suspense e despertar a curiosidade fazendo com que viremos páginas atrás de páginas. Sim, a escrita socorre-se excessivamente de exposição falhando na dramatização (o chamado tell-show), mas isso não perturba a leitura uma vez que o autor coze muito bem a informação e nos mantém sempre engajados até ao final. 

Assim, se gostei imenso do ambiente inicial assente na história da Revolução Cultural chinesa, ou ainda do videojogo RV, que Cixin usa fundamentalmente para a exposição de conceitos, desgostei imenso toda a trama muito básica de vinganças, ataques, invasões, insectos, etc. Desgostei, como não poderia deixar de ser, seguir atrás de personagens que olham para o desconhecido com o único desejo de se vingarem naqueles que os maltrataram. De personagens, que se colocam no extremismo oposto à Revolução, e se assumem acima do comum humano por via do mero intelecto, algo que pode fazer sentido na rebeldia dos 16/17 anos. Mais, considero que Cixin passou a linha vermelha ao colocar a protagonista no lugar de assassina, ignorando a moralidade de tal conduta.

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