junho 04, 2023

Fukushima dramatizada

"The Days" (2023) é a mais recente série da Netflix. Conta a história do acidente da central nuclear de Fukushima, Japão, provocado por um terramoto seguido de tsunami, ocorridos em 2011. Em termos técnicos não está, de todo, ao nível de "Chernobyl" (2019), no entanto enquanto drama documental faz muitíssimo bem o seu trabalho, usando uma estética marcadamente japonesa, que a partir do 3º episódio se torna impossível parar de ver.

Dois apontamentos. 

Primeiro, apesar de estamos em 2011, quase todo o trabalho de gestão da crise foi feito com recurso a meios analógicos. Muitos dossiers, muitos papéis, telefones analógicos, muitos quadros brancos, dezenas de sistemas de gestão de ar e água controlados manualmente, algum eletrónica, mas quase nenhuma informática, excetuando a videoconferência para comunicar com os agentes políticos. 

O segundo, relacionado com a distância corporal mantida entre os japoneses, praticamente ausentes de toque humano. Mesmo nas situações mais quentes, de festejo do espírito do grupo, cada um festeja com o seu próprio corpo, expressando para com os outros, mas sem abraços, apertos de mão, ou pancadinhas nas costas. A isto acrescenta-se um enorme respeito pelo outro, numa continua gestão das emoções, que por vezes se descontrolam mas são imediatamente seguidas de um pedido de desculpas. Isto é extremamente visível aqui pela enorme tensão apresentada, e pelas expectativas que essas situações nos geram, pelo hábito do consumo de cultura portuguesa ou americana, mas que são totalmente goradas, exatamente porque a série é feita por japoneses, e não por americanos.

Por fim, dizer que há anos que não se fala da central nos média, mas ficamos aqui a saber que o urânio continua lá, totalmente inacessível, para o qual não temos ainda uma solução clara (a quantidade ali disponível esteve perto de tornar mais de 1/3 do território do Japão inabitável). É provável que leve tantos anos a desmantelar como os que esteve em funcionamento, 40 anos. 

Uma série obrigatória, e uma série que torna inevitável questionar a nossa crença no Nuclear.

2 comentários:

  1. Olá Nelson. Fiquei curiosa para ver a série. Hoje em dia é difícil encontrarmos uma série sem clichés, de qualidade e pedagógica. Estive alguns anos ligada ao mundo asiático e os orientais têm uma forma muito própria de ver o mundo e demonstrar emoções. Há um certo tabu em se revelar o que se sente e isso também nos faz bem, também nos permite aprender algo novo, de modo a conjugarmos tudo e encontrarmos o equilíbrio.

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    1. Sabes o que me levou a questionar? A nossa constante crítica à falta de afeto, de calor humano, de toque, regozijo e empolgamento, nomeadamente nas relações mais próximas. Com esta série compreendi que é possível ser-se saudável emocionalmente apesar de não demonstrar todo esse afeto.

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