Adorei a discussão em redor das perspectivas sobre o contentamento humano de quatro grandes — Montaigne, Pascal, Rousseau e Tocqueville — apresentada em "Why We Are Restless: On the Modern Quest for Contentment" (2021) por Benjamin Storey e Jenna Silbur Storey. Ainda que sejam apresentados como promotores originais das ideias apresentadas e não o sejam. Desde logo porque a proposta de Montaigne, o "contentamento imanente" estava já presente em Epicuro via Lucrécio. Assim como Pascal não oferece nada que as religiões não tenham oferecido antes. Depois Rousseau dá conta da ineficácia da proposta de Montaigne a nível individual, e Tocqueville da ineficácia a nível de uma nação (EUA). Mas tudo isto faz parte de um ciclo que se repete — experiência vs. transcendência — podendo nós continuar opondo Tocqueville a Espinosa ou Nietzsche, para no final perceber que estamos ainda junto à discussão original e dualista que opôs Platão a Aristóteles.
Mas, e ainda assim, não deixa de ser uma leitura ávida dado o facto de estar escrito em modo de novelização das ideias, sem ressalvas nem indefinições, que permitem um foco em profundidade num único conceito, o "contentamento imanente", e assim o reconhecimento da interdependência dos quatro filósofos franceses. Mas talvez me tenha tocado particularmente pelo modo como discute o "contentamento imanente" e o sentimento de "inquietude".
"We engage in politics, in hunting and gambling, in flirting and text-messaging and much else, in an unceasing effort to get outside ourselves—we “cannot sit still in a room.” For when we do, our minds inevitably turn to “the natural unhappiness of our weak and mortal condition, so miserable that nothing can console us when we think about it closely.” What is so unhappy about our human condition? “We want truth and find only incertitude in ourselves. We seek happiness and find only misery and death. We are incapable of not wanting truth and happiness, yet we are incapable of either truth or happiness.” Our consciousness of our own mortality and our awareness of our own ignorance make us unhappy; we cannot learn to die, or rest our well-made heads on the pillow of ignorance, as Montaigne hopes. No psychic equilibrium is possible for a being whose desires so radically outstrip his possibilities. Misery follows ineluctably from an honest estimate of the gap between what we want and what we are." -- Excerto com citações de Pascal e Montaigne
Refletir sobre nós, é como aproximarmo-nos de um abismo e sentir o buraco negro que nos puxa, corrói, e impede de agir. Por outro lado, apostar tudo no hoje, na mudança constante da ação quotidiana conduz-nos também ao seu próprio abismo, como podemos ver no exemplo final dado sobre os aspetos da educação que hoje as universidades privilegiam:
"Law school or a PhD? The young fixate on such questions. Trying to be prudent, they investigate them by deploying the modes of analysis they have been taught to use: looking up countless opportunities, tabulating pluses and minuses, making spreadsheets to keep track of it all. But the question of how to live cannot be answered by aggregating quantities. We must rather think about it by attending to the strange and contradictory qualities that make us human — that we are free, rational, and open to the divine but also frail, fallible, and subject to death. How can such a patchwork being pull itself together to make a meaningful life? If education, insistently focused on immanent goods, refuses to help us think through the questions of our nature that yawn beneath our practical alternatives, life’s significant choices will seem groundless.
Such a prospect often paralyzes young people, especially those with a bounty of options to consider. As an exceptionally gifted young man once remarked to us in class, what he dreaded most was “spending his chips”: investing all his carefully cultivated potential into any particular course of life, converting a hazy but infinitely promising might be into a definite and limited is. His classmates fell silent at his confession, for he had given voice to the perplexity of their own hearts. On the threshold of adult life, many of the young instinctively shrink back, seeking to remain as long as possible in the condition of stem cells, conveniently malleable, ever ready to employ their talents in whatever way might be called for."
Não existem respostas, a não ser procuremos gurus, ou que desistamos da ideia de obtenção de significado. Mas o interessante de tudo isto não está nas respostas, mas antes de tudo o mais, no reconhecimento de que todos sentimos estas mesmas pulsões que nos fazem atravessar continuamente do medo à esperança, da felicidade à depressão. É o que somos, seres dotados de agência capazes de transformar um planeta inteiro porque não conseguimos resignar-nos ou aceitar qualquer impossível. Porque acreditamos que o melhor está fora de nós, na relação com o mundo e os outros, ainda que o façamos apenas porque imbuídos da certeza que isso nos fará sentir melhores, contentes, porque nos acalma as pulsões e deixa viver, na medida do possível.
Por fim, ligando a filosofia à psicologia, nomeadamente esta discussão à discussão tida em "Nação de Dopamina" (2021), percebemos que os tiques, ou vícios comportamentais, que desenvolvemos no consumo da realidade — ler em excesso, jogar em excesso, horas sem fim nas redes sociais, etc. —, são escapes que criamos para fugir a toda esta inquietude.
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