dezembro 11, 2021

Ruído no processo de decisão

Daniel Kahneman tem 87 anos, e o seu leegado está construído, tendo-lhe sido reconhecido o mesmo com o Nobel pela criação de uma área inteira: a economia comportamental. Neste livro, Kahneman apresenta-se com outros dois autores, Olivier Sibony quase desconhecido, e Cass R. Sunstein, reconhecido pela sua hiperatividade, com mais de 30 livros publicados, só em 2021 já vai com 3, mas também conhecido pela sua crença numa sociedade governada por algoritmos. Os autores dedicam-se à apresentação de uma nova variável de viés, ou melhor, uma nova designação para uma especificidade de viés, o ruído. Para os autores o "ruído é a variabilidade indesejável de juízos". Ou seja, é a variabilidade que acontece numa mesma decisão quando tomada por pessoas diferentes. O clássico exemplo é o dos juízes que podem atribuir uma sentença de 11 meses a 11 anos, em função do juiz que decide, podendo este ser influenciada pela hora do dia, pela vitória de uma equipa de futebol, e uma miríade de outros fatores, no momento da sua decisão.

Quanto a isto, nada de novo, mas há um problema no livro, porque ele investe centenas de página para explicar e voltar a explicar o mesmo, tornando-se num massacre insuportável. Mais, isto já tinha sido exposto por Kahneman no seu livro "Thinking Fast and Slow" (2011). Concedo que o exemplo visual dado com os alvos (ver imagens) é brilhante e ajuda a conceber de imediato a ideia do problema, mas fazer um livro inteiro sempre a bater no mesmo torna-se insuportável.


Nesta analogia, criada por Kahneman, temos na equipa A o efeito perfeito. Na B, um viés para sudoeste. E na C, o ruído, ou seja as setas ficam demasiadas espalhadas sendo impossível descortinar um racional. E no D, temos ambos, viés e ruído. As setas, ou decisões, tendem para um lado, mas aí surgem muito distantes.


Nesta imagem, podemos ver o efeito sem o alvo, e perceber como o A e B se podem confundir, ou seja, como o viés passa muitas vezes pelos pingos da chuva sem sequer ser percebido. No caso do ruído, o efeito ocorre sobre a injustiça, a discrepância enorme, entre o castigo, ou o salário, ou a decisão médica, em função do médico ou do momento em que as decisões são tomadas. 

Em segundo lugar, surge um outro problema na forma como os autores sugerem atacar o problema. Vejamos, a variabilidade é uma causa humana, por isso a ideia dos autores passa por reduzir a variável humana e colocar em seu lugar a máquina. Isto tem múltiplos problemas. Em primeiro lugar, obriga a isolar todas as variáveis envolvidas num processo de decisão, algo que não é credível, porque desde logo a decisão é humana por não ser previsível. Bem sei, que é fácil falar quando não somos afetados pela decisão, mas a questão não é essa. Afetar decisões a caixas negras é um erro muito maior. A sociedade para lidar com as decisões precisa de justificações dos raciocínios, não vai nunca aceitar que uma caixa simplesmente emita uma sentença.

Por fim, e este é talvez o maior problema de tudo isto, os autores não se dignaram a fazer trabalho de casa, tentando perceber como é que o problema do Noise, reconhecido noutras áreas como a Comunicação,  é trabalhado. Porque se o tivessem feito, teriam percebido que a abordagem criada pela teoria da informação para eliminar ou diminuir o ruído assenta na criação de redundância da informação. Ou seja, uma informação surge corrompida por ruído, tenho sempre forma de comparar essa com outra fonte, para analisar se o problema foi de ruído introduzido no caminho ou não.

Ora, isso já acontece nas situações identificadas por Kahneman e colegas, e foi algo que me deixou bastante desconfortável, eles não o admitirem sequer. Ou seja, quando um juiz emite uma sentença de 5 a 16 anos, ela não é final. Como sabemos, a decisão pode ser recorrida para um tribunal superior, e não raras vezes é profundamente alterada. No caso dos seguros ou dos diagnósticos médicos, hoje todos sabemos que no caso de doenças graves não nos podemos limitar à consulta de uma pessoa ou empresa única, é necessário ouvir diferentes e comparar. Porque como diz Kahneman, a mente humana é muito fraca a realizar medições, e por isso falha muito. 

Mas o caminho não pode ser trocar o humano pela máquina, porque se se perde muito quando trocamos um exame em resposta aberta por um exame de escolha múltipla, mais vamos perder ainda quando não percebermos porque as máquinas tomam as decisões que tomam. Mas talvez o maior problema de tudo isto seja esta crença arreigada de que é possível descortinar todas as variáveis envolvidas numa decisão e colocá-las numa folha de Excel. Aliás, o clássico dessa visão do mundo surgiu apresentado no livro "Moneyball" (2002) de Michael Lewis com as chamadas "sabermetrics" que escolheriam os jogadores a contratar e a jogar em cada jogo em função de um algoritmo e um conjunto imenso de variáveis. No final desse experimento, que deu alguns bons resultados, percebeu-se que tudo não passa de uma estratégia de passar a decisão para algo aparentemente mais objetivo mas que continua sendo incapaz de perar milagres, porque as decisões reportam sempre a ações com implicações num futuro ainda por decidir, ou seja impossível de prever. O que não quer dizer que já não se usem na atualidade imensos algoritmos, inclusive nas seguradoras, e em alguns tribunais em alguns países, no apoio à decisão. Mas a decisão final tem de caber a um humano, ciente das implicações das suas decisões para com os outros humanos.

Dito tudo isto, o livro pode ser interessante para quem trabalha com estatísticas, para quem tem o grande desejo de um dia vir a ser guiado por um Deus Máquina, mas para os demais, sabe a muito pouco, além de ser insustentável tanta repetição para no final tudo se poder sintetizar num único capítulo de conclusão.

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