Foi o primeiro livro que li de Teolinda Gersão e fiquei imensamente agradado pela competência da sua escrita. Elaborada, descritiva mas imaginativa. Quanto a este livro em concreto, não é um livro, mas um conto que foi expandido por via de duas cartas que o precedem e ajudam a introduzir e caracterizar o universo do conto. Quanto ao conto, é belo, apesar da sua tendência excessivamente descritiva, os laivos de realismo mágico elevam o historicismo biográfico a novela e criam uma experiência que termina com intensidade psicológica.
Sobre as duas cartas, uma de Freud a Thomas Mann, e outra de Thomas Mann a Freud, servindo de introdução, servem para dar conta da psicologia do escritor Thomas Mann. Podendo parecer exageradamente despudoradas, senti-as como fidedignas e diretas, muito graças ao facto de ter lido há poucos meses "The Magician" (2021) de Colm Tóibín (análise VI). Na verdade, estas cartas serviram para confirmar aquilo que Tóibín apenas se atreve a sugerir ao longo da densa biografia novelizada. Por muito duras que nos pareçam as palavras criadas por Teolinda Gersão para colocar na boca de Freud e Mann, elas soam a verdade, dando conta de uma pessoa que pelas suas gigantescas conquistas preferimos manter indefinida e ambígua como de certa forma Tóibín fez.
Aliás, repare-se como um livro que era suposto ser sobre Júlia Mann, acaba sendo sobre a mãe de Thomas Mann, interessando mais perceber a psicologia de Thomas, e só depois então recuar para compreender de onde ela poderia ter originado, a sua mãe. É uma estratégia, mas é uma estratégia profundamente conservadora que vai contra o progressismo que Gersão procura dar conta sobre Júlia e a crítica que faz a toda aquela sociedade feita de regras germanicamente superiores e absurdas.
Neste sentido, cheguei ao fim com um desejo de muito mais. Gostava que Teolinda Gersão tivesse não só mergulhado como fez na vida de todas estas pessoas, e apurado a historicidade de forma tão cabal como fez, mas que nos tivesse levado ao longo de uma viagem completa na companhia de Júlia, dando mais conta do seu viver e menos preocupada com o seu descrever.
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