dezembro 18, 2021

Viajar no tempo para salvar Sócrates

A premissa era super-interessante — viajar no tempo para evitar a morte de Sócrates — mas a execução acabou ficando abaixo das expectativas. Esperava mais discussão filosófica, apesar de ter lido que para alguns tem demais. Esperava uma explicação mais forte para alguém se lançar na senda de fazer Sócrates mudar de ideias. Esperava congruência narrativa, apesar dos necessários saltos temporais das viagens no tempo. Mas talvez o maior problema tenha acontecido com o facto de pela primeira vez ter sido incapaz de suspender a minha descrença quanto às viagens no tempo. Passei grande parte do livro a teorizar sobre a razão porque não é possível, muito influenciado pela teorização sobre o tempo de Carlo Rovelli.

Rovelli diz que “We can think of the world as made up of things. Of substances. Of entities. Of something that is. Or we can think of it as made up of events. Of happenings. Of processes. Of something that occurs. Something that does not last, and that undergoes continual transformation, that is not permanent in time.” 

Quando o li percebi que “a realidade tal como a concebemos, feita de coisas, não existe. Tudo está em movimento perpétuo para a desintegração, e nós, humanos, passamos as nossas vidas a lutar contra esta mesma desintegração. Cada objeto, produto, material que criamos não passam de reconfigurações de matéria, que assim que terminadas entram num processo de voltar à forma inicial, pó, matéria, energia.” 

Agora, enquanto lia “The Plot to Save Socrates” não consegui parar de pensar que não existe qualquer dimensão chamada tempo, e por isso não é possível viajar através deste. O tempo é uma propriedade dos eventos. Podemos pensar o tempo, em termos informáticos, como uma propriedade de cada elemento — átomos, pessoas, animais, casas, carros, etc. —, e não do ambiente — a aparente realidade — em que estão inseridos. Nós humanos, somos eventos, surgimos num determinado ponto e desaparecemos noutro. Não somos, acontecemos. A nossa relação com o tempo é meramente social, de comparação com a realidade. Não podemos passar de 70 a 35 anos, menos ainda voltar a um suposto ano -399, porque esse ano só existe no nosso imaginário.

"A Morte de Sócrates" (1787) por Jacques-Louis David

Quanto ao livro, a trama tem uma curva dramática interessante, apresenta bons momentos, mas raramente eleva o discurso acima da superfície da discussão filosófica, nomeadamente o diálogo de Sócrates descoberto não traz nada de impressionante. Depois, os saltos no tempo até pouco mais de meio geram uma enorme confusão sem sentido, não se percebe numa boa parte das sequências o que está a acontecer. Mas talvez mais grave ainda sejam as relações e emoções dos personagens, que muitas vezes são pouco credíveis, desde a relação entre Sierra e Alcibíades, à total ausência de medo ou falta de consciência em viajar para o desconhecido, mais ainda quando a máquina nem sequer permite acertar o tempo com exatidão. Demasiado acontece, na narrativa, na expectativa de que vá correr tudo bem e da coincidência, algo que é contrário à causalidade que define os processo narrativos.

O melhor acabam por ser os momentos de conversa com Sócrates e Platão, o modo como Paul Levinson cria a atmosfera que nos transporta no imaginário, e parece por momentos que sentimos estar mesmo a ouvir Sócrates a falar, à semelhança do que acontece em "Assassin's Creed Odyssey" (análise VI).

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