fevereiro 07, 2022

"Syllabus" de Lynda Barry

Lynda Barry recebeu a MacArthur Fellowship em 2019, com 63 anos, com a seguinte menção: "Inspiradora do envolvimento criativo através de trabalhos gráficos originais e de uma prática pedagógica centrada no papel da criação de imagem na comunicação". Acabei de ler o seu livro "Syllabus: Notes from an Accidental Professor" de 2014 e fiquei completamente convencido do enorme valor desta professora da Universidade de Wisconsin-Madison da área de Criatividade Interdisciplinar. A sua forma de estar e trabalhar com os seus alunos é uma inspiração para quem quer que acredite no poder da arte e criatividade humanas.

janeiro 27, 2022

A Moral do Cão

A propósito de "O Poder do Cão", vi primeiro o filme de Jane Campion (2021) e li o livro de Thomas Savage (1967) depois, das duas vezes não funcionou, não consegui encontrar nem sentir aquilo que tem conduzido uma maioria de pessoas a nomear este o melhor filme do ano ou o livro como uma das melhores redescobertas literárias dos últimos anos. Assumo que o tema é extremamente relevante e que a sociedade está hoje muito mais preparada para compreender um livro que saiu em 1967, mas o tratamento realizado deixou-me com demasiadas dúvidas sobre a eficácia da comunicação narrativa por causa da sua indefinição moral. Para explicar o problema terei de dar conta da história, por isso se não leram ou viram o filme fiquem por aqui.

A capa da primeira edição do livro, de 1967, e o poster da versão cinematográfica de 2021.

janeiro 21, 2022

Primeiras obras literárias

As Primeiras Coisas” (2013) do português Bruno Vieira Amaral (1978) e “Antes de Partires” (2000) da irlandesa Maggie O'Farrell (1972) são obras que parecem não ter nada em comum além do facto de serem ambas primeiras-obras. Para mim, que as li em simultâneo, posso dizer que encontrei vários outros pontos de contacto, ainda que quando aprofundados resultem mais em contraste do que em similitude. No entanto, tratando estes pontos da abordagem e das competências de escrita dos autores pareceu-me suficientemente relevante agregar os dois num mesmo texto. Saliento ainda que ambas as obras foram premiadas com prémios nacionais para primeira-obra abaixo dos 35 anos, Amaral com o Prémio José Saramago, no valor de 25 mil euros, e O’Farrell com o Betty Trask Award, no valor de 20 mil libras. 

janeiro 16, 2022

O Triunfo do Cristianismo. Como uma Religião Proibida Mudou o Mundo

Não é um tema que me tenha atraído nos últimos anos, contudo a leitura de "Heaven and Hell" (2020) de Bart Ehrman despertou-me o interesse, diga-se também que combinado com o meu crescente interesse pelos clássicos. Neste livro, "O Triunfo do Cristianismo" (2017), Ehrman situa a análise da afirmação do cristianismo entre o século I e o século V, levando-nos pela mão, permitindo que aprendamos imenso, fazendo da leitura uma experiência imensamente compensadora. Apesar da complexidade das questões, Ehrman partindo do trabalho de muitos outros académicos e seu, apresenta uma teorização credível sobre o modo como o cristianismo suplantou não só o judaísmo, mas em particular o paganismo, e como se afirmou e tornou na religião de facto de  todo um império.

"Irmão de Alma", ou, "De Noite Todo o Sangue é Negro"

Não há muitos elogios novos que se possam fazer a "Frère d'âme" (2018) (em português, traduzido com base no título inglês, "De Noite Todo o Sangue é Negro") que já ganhou alguns dos prémios literários mais cobiçados por todo o mundo — França (Prix Goncourt des Lycéens (2018)), Itália (Premio Strega Europeo (2019)), Holanda (Europese Literatuurprijs (2020), EUA (Los Angeles Times Book Prize for Fiction (2020)) e Inglaterra (International Booker Prize (2021). 

janeiro 10, 2022

"Invasion" (2021)

"Invasion" (2021) faz lembrar "War of the Worlds" e “A Quiet Place”, com aliens que quase não se dão a ver, com pouca vontade de comunicar, apenas parecem interessados em destruir. Contudo a série foca-se mais nos personagens humanos, nas suas histórias de vida, e fá-lo bem. Conhecemos personagens nos EUA, Europa, Japão e Médio-oriente, e ficamos a saber sobre o modo como reagem à chegada. Por outro lado, são 9 episódios, mas os primeiros precisam de ser vistos em modo acelerado porque as cenas foram completamente esticadas para encher tempo de ecrã. Acontece bons momentos dramáticos, grandes picos de tensão, mas o essencial fica para os dois últimos 3 episódios que juntam tudo e tornam a experiência imensamente gratificante, não só pela banda sonora de Max Richter, mas também pelo final com Major Tom de Bowie. Ficam muitas pontas soltas, mas a segunda temporada já teve luz verde.


janeiro 09, 2022

"A Perspetiva Científica" de Bertrand Russell

"The Scientific Outlook" foi publicado em 1931 e está hoje um pouco datado. Apesar de ter sido reeditado em 1949, com pequenas alterações pelo autor no domínio histórico, permanecem problemas científicos como o otimismo para com o behaviorismo, a fazer lembrar "Walden Two" (1948) de Skinner, e a psicanálise de Freud, assim como apresenta dúvidas quanto ao darwinismo. Mas mais importante do que essas falhas, explicáveis pela época, é todo o trabalho especulativo realizado ao redor da sociedade científica do futuro, pelo modo como abre caminho a todo uma forma de olhar a realidade que nos obriga a questionar o lugar da ciência.

Galatea 2.2 de Richard Powers

"Galatea 2.2" é um livro sobre Inteligência Artificial (IA) escrito em 1995, algo que poderia ditar imediatamente todo um texto datado, no entanto não é daí que surgem os seus maiores problemas. Powers é uma mente brilhante, capaz de um olhar analítico em profundidade e a IA acaba sendo aqui uma ótima desculpa para dissertar sobre a vida e o ato de viver. Mais ainda porque o livro é escrito num tom autobiográfico, com o protagonista a ser nomeado com o nome do autor, um escritor escrevendo o seu quarto romance, aquele que estamos a ler, variando os países e a língua em que a sua mulher é profissional de tradução, mas mantendo intacta a vontade do autor de nunca ter filhos. Esta sua vontade acaba sendo central para compreender o desígnio final da IA criada.

janeiro 08, 2022

A Filha Obscura (2006)

Ler a "A Filha Obscura" foi uma experiência extremamente estimulante, do ponto de vista do ganho de conhecimento sobre o mundo interior das crises da meia-idade, particularmente, para mim, por me mostrar o lado feminino dessa crise. Mas foi também imensamente estranha, porque senti que estava a ler partes desconhecidas de um universo que conhecia em detalhe, a Saga Napolitana, nomeadamente o último volume "História da Menina Perdida". Nem todos os contornos batem certo, mas começa nos nomes — Leda, Nina, Elena, Gino Vs. Elena, Lenu, Lila, Nino —, passa por Florença onde vive com o marido; num uma escritora, na outra professora universitária; mas essencialmente sonhadoras e fortes numa contínua luta interior com as pressões daquilo que querem ser e aquilo que a sociedade espera que sejam. Como diz Rachel Cusk, "Elena Ferrante escreveu a sua história duas vezes".