setembro 19, 2021

Cortázar, o hipertexto e Joyce

Rayuela” (1963) (em Portugal “O Jogo do Mundo”) é reconhecido como uma das maiores obras da literatura da América latina. É reconhecido pelo pioneirismo do uso da não-linearidade hipertextual (ligações que permitem saltar páginas e capítulos). O seu autor, Julio Cortázar, foi imortalizado graças a este livro. Contudo, a minha experiência ficou bastante aquém, diga-se que muito provavelmente por defeito de profissão — trabalho, há mais de 20 anos, o design de narrativas hipertextuais. Esperava mais. Esperava ver uma obra que por ser criada por uma mente literária, rasgasse todos os preceitos da literatura e principalmente da linearidade narrativa. Acaba por não o fazer, em nenhuma das frentes. Com um registo demasiado colado a Joyce, oferece muito pouco à literatura. A forma sustenta o nosso interesse pela novidade estrutural, mas desvendado o padrão seguido tudo começa a cair.

A Torre de Montaigne

Enquanto leio "Civilizations" (2019) de Laurent Binet dou por mim atirado para um castelo que possui uma torre, na qual se encontra uma biblioteca com traves munidas de inscrições em latim e grego. Acreditando ser a biblioteca de Montaigne (1533 — 1592) fui procurar informação na rede e acabei recolhendo um conjunto de imagens que aqui deixo. Pode ser que um dia, quando volte a passar por Bordéus, ainda consiga fazer um desvio e vá visitar tão iluminada torre.

setembro 16, 2021

Problemas da Empatia e de Bloom

 Em 2016 Paul Bloom lançou um livro chamado “Against Empathy”, e com ele criou uma enorme confusão em redor do conceito de empatia. Na altura passei os olhos pelo livro, mas como não passava de um artigo aumentado com múltiplas histórias de suporte, não lhe dei muito valor, apesar de concordar com os traços gerais da proposta aí apresentada. Não dei grande importância porque, julgava eu, o alerta de Bloom era mais dirigido aos media do que propriamente aos cientistas. Entretanto revisitei o livro, e percebi que na tentativa de dar força ao que quer dizer, Bloom acaba por cometer alguns, muitos, excessos, e foi por isso que resolvi escrever este texto. 

setembro 14, 2021

O Caminho de Aristóteles

Neste livro, Edith Hall realiza todo um trabalho de síntese das principais obras de Aristóteles — “Ética a Nicómaco”, “Política”, “Poética”, “Retórica”, “História dos Animais”, entre outros. O seu objetivo passa por chegar às principais propostas de Aristóteles quanto ao que devemos fazer enquanto seres vivos. Aristóteles acreditava que o objetivo último do ser humano era a eudaimonía, chegar ao “bom espírito” que se pode traduzir por “bem-estar” e “contentamento”. Para Aristóteles, a eudaimonía atinge-se encontrando um propósito para a realização do nosso potencial, e trabalhando o nosso comportamento para chegarmos à melhor versão de nós mesmos.

setembro 12, 2021

Jornalismo de ciência não é ciência

Tinha imensa vontade de ler “The Extended Mind: The Power of Thinking Outside the Brain” (2021) uma vez que o assunto me interessa muito, contudo depois de ler o prólogo, seguido de uma introdução que se limitava a repetir o prólogo adicionando-lhe pequenas histórias, senti uma enorme desilusão, percebendo que não era para mim. Annie Murphy Paul pode ser uma boa jornalista de ciência, mas para escrever um livro sobre ciência tem de se oferecer mais do que jornalismo. Paul demonstra grande ligeireza na abordagem de assuntos complexos, mas pior do que isso, pretende por meio das meras leituras que realizou, apresentar toda uma nova teorização sobre o funcionamento da cognição. 

setembro 11, 2021

Na esplanada do Existencialismo

Numa palavra, brilhante. É com uma enorme admiração por Bakewell que chego ao final da leitura de "At the Existentialist Café: Freedom, Being, and Apricot Cocktails" (2016), plenamente satisfeito com o conhecimento e experiência proporcionados. Sarah Bakewell fala a partir de um enorme lastro de conhecimento sobre a corrente do existencialismo, assim como das histórias de vida dos seus autores mais reconhecidos: Kierkegaard, Husserl, Heidegger, Brentano, Merleau-Ponty, Camus, Sartre e Beauvoir. Bakewell usa as histórias dos filósofos para construir uma narrativa ligeiramente romanceada — usando como personagens centrais: Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre e Beauvoir —, apresentando todo o conhecimento fora do reino da abstração e focado nas histórias, relações, ações e decisões ao longo do século XX. Desta forma, a leitura permite-nos não só compreender os objetivos, alcance e limitações da corrente, como o contexto das suas origens e desenvolvimento. Ao chegar ao final, sentimos conhecer de perto não só aquelas pessoas e o seu tempo, mas acima de tudo as razões que suportaram as suas ideias.

setembro 02, 2021

"Un amor". (2020). Sara Mesa

Me sentí con Sara Mesa igual que con Ottessa Moshfegh, completamente secuestrado por las palabras y frases que formaban mundos particulares, llenos de peculiaridades, simultáneamente racionales y sentimentales. Los mundos son muy distintos, lo que realmente los une es la particularidad del mundo, de la acción de sus personajes, y cómo esa acción nos "muestra" los sentimientos. Es un arte difícil, que ambas dominan a la perfección.

No es un libro fácil, ni un libro que siga las políticas de comportamiento de moda. Es un libro que habla de la fragilidad interior del individuo ante la sociedad. Habla de la condición de la mujer sola. Trata de las fuerzas que nos presionan y las contrafuerzas con las que nos mantenemos a flote.

Leído en formato audiolibro, narrado por Marta Martín, durante las mañanas de finales de agosto 2021 mientras caminaba por la Playa de los Enebrales.

agosto 23, 2021

China: a real face do Comunismo

Costuma-se atacar o comunismo por via dos seus maiores terrores, Estaline e Mao, mas como "heróis" de um passado reconhecidamente desastroso rapidamente se descartam como exemplos distorcidos da ideologia. Já quando se fala de Castro ou Chaves, a sua visão não se cumpriu por culpa dos embargos. Quando se questionam os líderes comunistas nacionais sobre a Coreia do Norte, a resposta surge em jeito de questionamento do conceito de democracia, e quando se fala do Holodomor, na Ucrânia, esse não passou de uma invenção nazi, nunca existiu. No entanto, e apesar de todos estas falhas na matriz, o grande elefante branco continua aí, bem no meio da sala, com direito às maiores honras economicistas das últimas décadas, a China. 

agosto 22, 2021

Lotaria: da tradição à dopamina

“A Lotaria” é o conto mais conhecido de Shirley Jackson. Publicado em 1948, na The New Yorker, gerou uma tal onda de reações no público, de estupefação e especulação sobre o sentido da história, mas também muitas, na forma de telefonemas e cartas, com ameaças à revista e à autora, tendo a história sido mesmo banida nalguns locais. A história é bastante curta, tem apenas 3 mil palavras, por isso leiam-na antes* de continuar a leitura que contém spoilers.