Tinha imensa vontade de ler “The Extended Mind: The Power of Thinking Outside the Brain” (2021) uma vez que o assunto me interessa muito, contudo depois de ler o prólogo, seguido de uma introdução que se limitava a repetir o prólogo adicionando-lhe pequenas histórias, senti uma enorme desilusão, percebendo que não era para mim. Annie Murphy Paul pode ser uma boa jornalista de ciência, mas para escrever um livro sobre ciência tem de se oferecer mais do que jornalismo. Paul demonstra grande ligeireza na abordagem de assuntos complexos, mas pior do que isso, pretende por meio das meras leituras que realizou, apresentar toda uma nova teorização sobre o funcionamento da cognição.
Paul diz-nos que: “Thinking outside the brain means skillfully engaging entities external to our heads—the feelings and movements of our bodies, the physical spaces in which we learn and work, and the minds of the other people around us—drawing them into our own mental processes. By reaching beyond the brain to recruit these “extra-neural” resources, we are able to focus more intently.”
O que não tem qualquer problema. Os problemas começam desde logo quando vem dizer que a ideia é uma originalidade de Andy Clark e David Chalmers, apresentada num paper de 1995, intitulado “The Extended Mind”. O problema é que não é, de todo. McLuhan apresentou estas mesmas ideias em 1964, no livro “Understanding Media: The Extensions of Man”, ideias que foram depois amplamente trabalhadas por muitos autores, nomeadamente Derrick de Kerckhove, entre outros.
Apresentar a historieta de que Andy Clark em 1997 se esqueceu do seu portátil no comboio e que tal teve como efeito " repentino e algo vicioso de dano cerebral (esperançosamente transitório)" que ficou "atordoado, confuso, e visivelmente enfraquecido — como se um ciborgue tivesse sofrido um ligeiro derrame”. É engraçado, mas não diz nada de novo. Não diz nada, que não sintamos quando nos falta a nossa caneta predileta para escrever, ou o nosso bloco de folhas, ou o habitual processador de texto, ou ainda o lugar concreto da biblioteca, ou as prateleiras que todos os dias revisitamos, etc. etc.
Paul evoca um conjunto de grandes campos da psicologia — embodied cognition, situated cognition, distributed cognition — que sendo altamente relevantes, nomeadamente no trabalho que faço de design de interação, contém ainda imensos problemas do ponto de vista científico, dada a enorme variabilidade que comportam. Por isso, escrever um livro dizendo que quer “unificar todas estas teorias intrigantes” é tão audaz como tonto. Não restam dúvidas quando à frente diz: “Psychologists, cognitive scientists, and neuroscientists are now able to provide a clear picture of how extra-neural inputs shape the way we think”. Não, peço desculpa, mas não é verdade. Existe ainda muito caminho a fazer antes de chegarmos aí.
Como se não bastasse, depois embrulha ainda tudo isto com discussões sobre as metáforas do cérebro computador e do cérebro musculo, evocando teorias e mais teorias, como se tudo junto funcionasse na mais perfeita harmonia. Mas não funciona. As teorias são interessantes, e apresentam caminhos de compreensão do modo de funcionamento do nosso cérebro, mas não se pode pegar naquelas que nos interessam, e começar a montar um puzzle explicativo, apenas porque do ponto de vista lógico-narrativo fazem sentido.
A ciência não é mera conversa reflexiva, nem é mera leitura de artigos ou livros, menos ainda é mera conjetura de seleções de factos e conceitos. A ciência faz-se experimentando. Lançando ideias, teses e hipóteses, e pondo-as à prova, testando e validando. O que Paul nos apresenta é uma narrativa que parece fazer lógica, mas não passa de uma narrativa, não é ciência.
Sem comentários:
Enviar um comentário