setembro 14, 2021

O Caminho de Aristóteles

Neste livro, Edith Hall realiza todo um trabalho de síntese das principais obras de Aristóteles — “Ética a Nicómaco”, “Política”, “Poética”, “Retórica”, “História dos Animais”, entre outros. O seu objetivo passa por chegar às principais propostas de Aristóteles quanto ao que devemos fazer enquanto seres vivos. Aristóteles acreditava que o objetivo último do ser humano era a eudaimonía, chegar ao “bom espírito” que se pode traduzir por “bem-estar” e “contentamento”. Para Aristóteles, a eudaimonía atinge-se encontrando um propósito para a realização do nosso potencial, e trabalhando o nosso comportamento para chegarmos à melhor versão de nós mesmos.

Para o efeito, Aristóteles acreditava que a maioria das pessoas obtém a sua maior realização através da aprendizagem e da interrogação do mundo. Não falava do mero conhecimento académico, mas da compreensão da experiência própria do mundo em que habitamos, sendo esse o objetivo da vida em si. Para aqui chegar, Aristóteles parte da daquilo que nos distingue dos animais, que Edith Hall sintetiza da seguinte forma:

“Os humanos, tal como os animais e as plantas, participam na atividade básica de viver, obter nutrientes e crescer. Se outros animais e plantas vivem, obtêm nutrientes e crescem, então isto não é distinto para a humanidade. Os animais, tal como os seres humanos, também têm sentidos com os quais discernem o mundo que os rodeia e outras criaturas. Portanto, a vida sensível também não pode ser a característica distintiva e definitiva do ser humano. Mas nenhum outro ser vivo partilha "a vida ativa do ser que tem razão". Os seres humanos fazem coisas, e são capazes de pensar antes, durante e depois dessas atividades. Então essa será a razão de ser do ser humano. Se, como ser humano, não cumprimos a nossa capacidade de agir enquanto exercemos as nossas faculdades racionais, então não estamos a cumprir o nosso potencial".

Claro que encontrarmos o propósito ou objetivo pode ser o mais complicado. Contudo, até aí Aristóteles foi mais racional do que muitos que hoje veem na juventude a resposta para todos os problemas. Ele considerava que só atingimos a idade adulta aos 30, mas que só atingimos a plena posse das nossas capacidades intelectuais aos 49 anos. Por isso, até lá continuamos sempre a aprender e a experimentar o mundo, e mais do que a tempo de nos encontrarmos e iniciarmos o trabalho para a nossa realização.

Definido o objetivo, Aristóteles define depois três grupos de pessoas e seus objetivos:

Grupo 1 – As pessoas interessadas no prazer físico — comer, beber, sexo. Aristóteles compara este grupo com o gado, já que este prazer é fundamental para garantir bem-estar e sobrevivência aos animais. Contudo, nos humanos tal deve ser visto apenas como instrumental, servindo de guia, tornando a jornada melhor, mas não um fim.

Grupo 2 – As pessoas sob os holofotes, na esfera pública ou política, motivadas pela fama e reconhecimento, algo diferente do político ativista ou de causas comuns. O problema surge porque as pessoas deste grupo deixam de viver, de construir o seu caminho. Interessa apenas o elogio, e não a razão do mesmo.

Grupo 3 - Aprender sobre o mundo e satisfazer a mente. “É muito mais difícil este objetivo ser sabotado por fatores fora do nosso controlo, tais como a sorte; pois não requer que outras pessoas reconheçam ou elogiem. É algo que nós mesmos podemos fazer e que está intrinsecamente ligado à auto-suficiência".

Por isso mesmo, Aristóteles acreditava que a Educação era o elemento mais importante na política de um Estado, dizendo:

"Ninguém duvidará que o legislador deve dirigir a sua atenção sobretudo para a educação da juventude; pois a negligência da educação prejudica a constituição". Uma vez que o objetivo de qualquer cidade-estado é assegurar que os seus cidadãos vivam a boa vida, "é manifesto que a educação deve ser uma e a mesma para todos, e que deve ser pública, e não privada." 

A educação quer-se pública, porque é necessário que todos percebam o interesse comum. A educação universal e pública funcionaria como garante de que cada um, na sua especialidade, contribuiria da melhor forma para o bem de todos. Todos somos diferentes, e alguns são, aleatoriamente, mais dotados que outros, por isso é necessário que todos compreendam os problemas de todos, podendo assim contribuir com novas soluções para todos.


2 comentários:

  1. Muito interessante post e recensão Nelson do qual tomei várias notas. Dou comigo a refletir como, estando nós no século XXI, encontramos ainda no pensamento do clássico grego Aristóteles, matéria tão actual e digna ainda capaz de produzir ensaios e trabalhos sobre a sua obra. Dir-me-á que por isso é que são clássicos (é como o fato azul que nunca passa de moda)!
    Já Yourcenar refere nas Memórias de Adriano que o imperador, que estudou em Atenas, afirmou que o grego o ensinou a ser o que é, um imperador (“Este grego duro ensinou-me o método.”).
    Termino com uma pergunta: como consegue ler tanto em tão pouco tempo? Lê na diagonal ou dorme pouco como o presidente Marcelo?

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    1. Olá Joaquim, sem dúvida a Grécia Antiga é um mundo impressionante, e Aristóteles é absolutamente fantástico. Só o comecei a apreciar mais depois de ler Bertrand Russell que tinha uma enorme adoração por Aristóteles.

      Quanto à leitura, provavelmente tem que ver com o facto de ler em múltiplos formatos papel, digital e audiobook. Ou seja, nunca tenho tempos mortos, aproveito-os todos para ler. Tirando isso, não vejo televisão, e ultimamente tenho visto muito pouco cinema e jogado muito pouco.

      Raramente leio na diagonal, quando o faço digo isso mesmo, mas faço-o pouco. Quanto a dormir, sem as 8h não funciono :)

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