Em 2016 Paul Bloom lançou um livro chamado “Against Empathy”, e com ele criou uma enorme confusão em redor do conceito de empatia. Na altura passei os olhos pelo livro, mas como não passava de um artigo aumentado com múltiplas histórias de suporte, não lhe dei muito valor, apesar de concordar com os traços gerais da proposta aí apresentada. Não dei grande importância porque, julgava eu, o alerta de Bloom era mais dirigido aos media do que propriamente aos cientistas. Entretanto revisitei o livro, e percebi que na tentativa de dar força ao que quer dizer, Bloom acaba por cometer alguns, muitos, excessos, e foi por isso que resolvi escrever este texto.
Começar por dizer que o próprio Bloom a reconhecer que comete os excessos, veja-se quando diz: “I really do want to be fair, honest, and objective. But I’m only human, so it’s probably true that this book contains weak arguments, cherry-picked data, sneaky rhetorical moves, and unfair representations of those I disagree with. Fortunately, there are many who are in favor of empathy, and they’ll be highly motivated to poke holes in my arguments, point out counterevidence, and so on.” Exposta a humildade e reconhecimento do próprio autor, o que direi a seguir não tem naturalmente o objetivo de o atacar, mas apenas e só contribuir para a discussão necessária em redor de um dos conceitos mais relevantes da psicologia. Comecemos pelos conceitos e descrições funcionais dos mesmos:
A Empatia é uma competência elaborada do ser humano que estabelece um quadro em que permite que nos coloquemos no lugar de outra pessoa quando em face de uma situação determinada (ex. agressão, ganho de lotaria, perda de familiar, etc.). É elaborada, ou complexa, porque o colocar-se no lugar do outro não implica a mera imitação do outro, mas antes implica que se consiga construir um modelo mental daquilo que o outro está a enfrentar, e o usemos para simular mentalmente como seria connosco. Assim, conseguimos ler o outro e reagir emocionalmente de acordo, o que não implica que sintamos o mesmo que esse outro, antes revisitamos o sentir da situação nas nossas experiências, e compreendemos o que está o outro a sentir. Sendo a empatia uma capacidade que assenta em recursos emocionais, a sua ação tende a ser pouco racionalizada. Ou seja, não controlamos, nem compreendemos de imediato, a razão por que sentimos a tristeza ou dor de outras pessoas. (Para mais detalhe ver a análise do livro de De Wall).
A definição de empatia usada por Bloom é muito similar, referindo-se a ela como “the act of feeling what you believe other people feel —experiencing what they experience”. Apesar de gerar alguma confusão entre aquilo que diz ser empatia afetiva (sentir o outro) e cognitiva (compreender o outro). Digo gerar confusão porque desde logo a distinção não é reconhecida por todos, já que o processo de empatia, pela sua complexidade, exige emoção e cognição. E também, porque Bloom diz defender a necessidade da empatia cognitiva, mas depois diz que ela é também parte do problema. Sobre esta confusão, veja-se o seguinte excerto:
“I see a child crying because she’s afraid of a barking dog. I might rush over to pick her up and calm her, and I might really care for her, but there’s no empathy there. I don’t feel her fear, not in the slightest.”
Claro que não sente o medo da criança, porque se sentisse, congelava ou fugia, mas “sente” que a criança sente medo, e é exatamente isso a empatia, sentir o que sente o outro. Se não conseguisse sentir o que sente a criança, não reagiria. A empatia, não é contágio emocional, a empatia é sincronização afetiva e cognitiva, como diz De Waal. Repare-se, quando eu vejo alguém morrer no cinema, não sinto medo como se eu fosse morrer, sinto o medo de quem vai morrer, e posso construir o modelo experiencial daqueles que vão perder aquela pessoa, e por isso sentir tristeza. A empatia não é chorar porque outro chora, ou rir porque outro ri, a isso chamamos contágio emocional. A empatia é compreender a “experiência do mundo do outro” e sentir o efeito da situação ou evento que lhe sucede, a realidade que está a ser transformada. A empatia, é realmente correr para criança porque percebemos que ela se pode magoar.
Até aqui estive a defender a empatia, mas sei que a empatia tem um lado problemático, e nesse concordo com Bloom, é que a empatia não é, nem possui, qualquer “guia moral”. A empatia não nos faz ser boas pessoas per se, mas é aqui que Bloom entra no exagero ao dizer:
“But on the whole, it’s a poor moral guide. It grounds foolish judgments and often motivates indifference and cruelty. It can lead to irrational and unfair political decisions (…) I am against empathy, and one of the goals of this book is to persuade you to be against empathy too.”
E vais mais longe:
“This isn’t just an attack on empathy. There is a broader agenda here. I want to make a case for the value of conscious, deliberative reasoning in everyday life, arguing that we should strive to use our heads rather than our hearts.”
Ou seja, repare-se que Bloom não está na verdade a atacar a empatia por ela não diferenciar entre bem e mal, ele está a atacar a empatia por ela ser emocional:
“I wrote the book you are holding because I believe our emotional nature has been oversold. We have gut feelings, but we also have the capacity to override them, to think through issues, including moral issues, and to come to conclusions that can surprise us. ”
Mas voltando ao problema efetivo da empatia, ele existe. A empatia não é servida por qualquer moral, mas tem de se orientar por algum tipo de parâmetro para funcionar, ela não pode ser despoletada no vazio. Assim, a empatia é estimulada pelo que é parecido connosco, próximo e familiar. Empatiza-se mais com quem tem 2 pernas e 2 braços; com quem faz expressões emocionais mais facilmente legíveis; com quem tem a mesma cor de pele, a mesma idade, vive no mesmo lugar, tem o mesmo número de filhos, estudou no mesmo lugar, pertence à mesma família, etc. etc. Este mecanismo evolucionário é o garante que sustenta o tribalismo, porque garante uma cola subterrânea entre os indivíduos que motiva a entreajuda.
Funcionando para o Bem: Conseguimos ler, de forma quase imediata e sem esforço, o sentir dos outros, e sincronizar as nossas reações emocionais em função das mesmas, por forma a garantir relações humanas harmónicas.
Funcionando para o Mal: Sendo orientado ao que é próximo de forma não consciente, ele não atua quando o Outro não é próximo ou parecido, criando distância, separação. Repare-se como a empatia não nos afeta da mesma maneira quando um autocarro de pessoas cai numa ponte ou quando acontece um ataque terrorista que envolve pessoas da nossa família, da nossa escola/empresa, da nossa cidade, do nosso país, do nosso continente. Como diz Bloom:
“Empathy is a spotlight focusing on certain people in the here and now. This makes us care more about them, but it leaves us insensitive to the long-term consequences of our acts and blind as well to the suffering of those we do not or cannot empathize with. Empathy is biased, pushing us in the direction of parochialism and racism. It is shortsighted, motivating actions that might make things better in the short term but lead to tragic results in the future. It is innumerate, favoring the one over the many. It can spark violence; our empathy for those close to us is a powerful force for war and atrocity toward others. It is corrosive in personal relationships; it exhausts the spirit and can diminish the force of kindness and love.”
Assim, e por mais estranho que nos pareça, a empatia ao potenciar a reunião de iguais, potencia o afastamento dos diferentes, chegando no limite a suportar aquilo que conhecemos como discriminação humana: o racismo, o sexismo, a homofobia, etc.
O problema da abordagem de Bloom é a defesa da erradicação da empatia, como se no caso de ser possível, tal tornasse o mundo em algo melhor. O problema é que isso não é verdade, de todo, e não apenas porque como Damásio demonstrou: a razão não funciona sem a emoção; mas acima de tudo, porque sem a emoção deixamos de ser humanos.
Posso dar o mesmo número de contra-exemplos que Bloom apresenta para sustentar a ideia de que necessitamos da empatia, mas farei tal com um único exemplo, o caso das pessoas com transtorno do espetro autista. Os autistas são reconhecidos pela sua neurodiversidade e pela baixa empatia. Daí, que mesmo as pessoas mais dotadas cognitivamente, capazes de apreender em detalhe a realidade que os circunda, têm tremenda dificuldade em relacionar-se socialmente. Isto porque a empatia garante a leitura continua do estado emocional do outro na nossa presença, fornecendo-nos dados essenciais para ajustar a nossa resposta, continuamente, e assim conseguirmos criar uma relação rica. Se vamos defender o fim da empatia, é bom que estejamos preparados para o fim do ser humano, porque não somos feitos apenas de razão.
A empatia é uma cola social fundamental. Não é a única, nem serve nenhum desígnio moral, como já se viu. Apresenta problemas, desafios a uma sociedade, mas são desafios com que precisamos de aprender a trabalhar, e a História demonstra que tal é possível. Bloom tem em parte razão, mas no excesso acaba por cometer mais erros do que acertos.
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