janeiro 23, 2021

“Retrato de Uma Senhora” (1881) de Henry James

“Retrato de Uma Senhora” (1881) é considerada a obra central do legado de Henry James. A mim serviu de porta de entrada, ficando a conhecer o mesmo, mas apesar de alguma admiração suscitada, deixou-me sem motivação para o continuar a ler. James realiza um trabalho soberbo de análise dos processos da consciência humana, na senda do que já nos tinha dado Balzac e Dostoiévski, capturando a nossa atenção ao longo de páginas e páginas de escalpelização dos mundos interiores dos seus personagens. Diga-se que James era irmão de William James, um dos grandes pioneiros da psicologia. O problema surge no conteúdo, nos personagens trabalhados, pela pertença à aristocracia, ou a uma burguesia muito próxima, que torna aquilo que se conta muito pouco interessante.

janeiro 17, 2021

Do não-dizível por Clarice Lispector

Ler “A Paixão Segundo G.H.” (1964), de Clarice Lispector, é como ler o tom de Beckett traduzido pela poética de Pessoa. Nada aqui é convenção, tudo é experimental, não existe princípio, meio, nem fim, porque existem apenas interrogações. Interrogações que se vão abrindo como matrioskas, de onde vão saindo novas questões que como borboletas voam para longe sem aguardar por resposta. É uma obra carregada de existencialismo, mas mais do que isso, é uma obra confessional, recorda-nos Santo Agostinho, pelo confronto das ações passadas com os julgamentos do presente e as punições do futuro. Mas vai mais fundo, pela dor que Lispector imprime em G.H. que nos recorda a dor a que Von Trier submete C.G. em “Antichrist” (2009).

janeiro 15, 2021

A literatura como Redenção

Chego a “La Familia Grande” (2021), de Camille Kouchner, depois de ter lido “Le Consentement” (2020) e de ter percebido que o fenómeno #metoo demorou, mas chegou a França, não na sua forma convencional, usando as redes sociais, mas por via da literatura. O relato é aqui tão, ou mais, cru que no livro de Vanessa Springora. Começa-se a ler e não se consegue parar, o voyeurismo e a expectativa tomam conta de nós. Aqui a família de suporte é bastante menos estereotipada, existem recursos, e acima de tudo educação certificada com os mais altos pergaminhos. Mas, nada disso serve para evitar o pior. No final, inevitavelmente, e mais uma vez, somos obrigados a questionar-nos sobre o valor da Educação que tanto prezamos, sobre o  Humanismo que tanto apregoamos. No final, mais uma vez, somos esbofeteados pela luta entre o racional e o emocional, ou, entre a consciência e o instinto. Este livro, pelos personagens que dele fazem parte, torna estas questões brutalmente presentes, obrigando-nos a mergulhar no mundo de valores em que nos habituámos a acreditar para tudo questionar.

janeiro 12, 2021

Livros do Google Books em Domínio Público

O Google Books (ou Google Livros) é um dos serviços da Google mais importantes e impressionantes de entre os muitos que têm desenvolvido, pois conseguiu ao longo dos últimos 15 anos digitalizar 40 milhões de livros em todo o mundo. A Google estima que existam cerca de 130 milhões de volumes em bibliotecas no mundo e tem como objetivo digitalizar todos. Este serviço só tem um problema, o Copyright. A Google não pode disponibilizar em modo completo, obras que estejam debaixo de direitos de autor. Contudo, pode disponibilizar aquelas de que os seus autores tenham falecido há mais de 70 anos, e é isto que me interessa aqui. Porque a Google não disponibiliza automaticamente os livros que entram no domínio público a cada ano, para tal acontecer é preciso que alguém reclame e evidencie que a obra já está em domínio público. Para o efeito, deixo abaixo os passo para qualquer um de vós o poder fazer.

Como libertar livros em Domínio Público no Google Books

janeiro 09, 2021

Como Morrem as Democracias

"How Democracies Die" (2018) é um livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, dois professores de ciência política dos EUA, especializados no estudo das políticas da América do Sul e em Política Comparada. Escreveram este livro como reação à subida de Trump ao poder, e para explicarem que apesar das pessoas acalentarem a ideia de que os EUA são um país diferente e capaz de suster todo o tipo de ataques contra a sua democracia, na realidade são uma democracia com as mesmas fragilidades de qualquer outra no globo.
 

janeiro 01, 2021

Trilogias de 2020

2020 foi um ano com muitas leituras, pela primeira vez passei os 100 livros, o que claramente se deve ao muito tempo passado fechado em casa por força da pandemia, mas foi também o ano em que li muitas trilogias, cinco. Por isso em vez de fazer um texto sobre as melhores leituras, deixo apenas um apanhado das trilogias lidas em 2020. O resto está no GoodReads e aqui no blog.

dezembro 31, 2020

Kudos para a trilogia de Cusk

O último livro da trilogia de Rachel Kusk, “Kudos” (2018), foi escrito depois da sua passagem por Portugal, onde esteve a convite do festival Literatura em Viagem 2017. Se o primeiro livro da trilogia “Outline” (2014) se passava na Grécia, e o segundo, “Transit” (2016), em Inglaterra, este terceiro passa-se em Portugal. Contudo, ao contrário desses dois, Kusk nunca revela que a ação se passa no nosso país. Percebemos que assim é, através de pequenos indícios como o pastel de nata, aqui tratado como tarte de creme de ovos, mas ainda mais pela profusão da presença temática da religião e futebol nas conversas, e claro pelo calor e mar. Mas o maior indício está no enredo construído à volta de uma visita da narradora a um festival literário no sul da Europa. 

Fotografia de Rachel Cusk em Lisboa, de Nuno Santos para o jornal Público, maio 2017

Sobre os padrões do design de narrativa

O livro "Meander, Spiral, Explode: Design and Pattern in Narrative" (2019) de Jane Alison é um trabalho de análise literária incomum. Foge aos cânones estabelecidos, para abraçar um conjunto de ideias mais próximas da análise estética das artes visuais, e por isso realiza um avanço na área que hoje definimos como Narrative Design. A autora resolveu encetar um trabalho de análise de estruturas narrativas, procurando histórias que se demarcam do arco dramático — princípio, meio e fim —, no fundo da linearidade narrativa. A sua proposta pode ser ligada a uma anterior apresentada por Madison Smartt Bell, “Narrative Design” (1997), indo além, aliás oferecendo parte daquilo que tinha sido a minha crítica a Bell, com um conjunto de modelos para o desenvolvimento do design de narrativa. 


Tendo em conta a relevância académica, acabei fazendo um artigo de revisão mais longo e publiquei-o no Journal of Digital Media & Interaction. Podem ler a resenha completa online.

dezembro 30, 2020

Unastoria de GIPI

Gianni Pacinotti é um reconhecido autor de banda desenhada italiano que dá pelo nome de GIPI. Cheguei ao seu trabalho pelo facto de ter sido publicado este ano pela Fantagraphics o seu livro “Unastoria” (“One Story”) de 2013. Surpreendeu-me duplamente: pelo modo como estrutura a narrativa, e pelo impressionismo das suas pranchas.