janeiro 09, 2021

Como Morrem as Democracias

"How Democracies Die" (2018) é um livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, dois professores de ciência política dos EUA, especializados no estudo das políticas da América do Sul e em Política Comparada. Escreveram este livro como reação à subida de Trump ao poder, e para explicarem que apesar das pessoas acalentarem a ideia de que os EUA são um país diferente e capaz de suster todo o tipo de ataques contra a sua democracia, na realidade são uma democracia com as mesmas fragilidades de qualquer outra no globo.
 

Para quem não estuda política, ou não é norte-americano, o interesse do livro está mais na discussão geral sobre o que são democracias, como se erguem e como caem. Para esse efeito os autores convocam exemplos de todo o mundo, com maior incidência na América Latina. Fazem um trabalho excecional demonstrativo da força e das fragilidades das democracias, dando conta das alterações ocorridas nas últimas décadas em termos da sua destruição. Isso mesmo resume-se no excerto que deixo aqui:

“É assim que as democracias agora morrem."

"A ditadura ostensiva – sob a forma de fascismo, comunismo ou domínio militar – desapareceu em grande parte do mundo. Golpes militares e outras tomadas violentas do poder são raros. A maioria dos países realiza eleições regulares. As Democracias continuam a morrer, mas por meios diferentes. Desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos. Tal como Chávez na Venezuela, líderes eleitos subverteram as instituições democráticas em países como a Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka, Turquia e Ucrânia. O retrocesso democrático hoje começa nas urnas.”

“A via eleitoral para o colapso é perigosamente enganosa. Com um golpe de Estado clássico, como no Chile de Pinochet, a morte da democracia é imediata e evidente para todos. O palácio presidencial arde em chamas. O presidente é morto, aprisionado ou exilado. A Constituição é suspensa ou abandonada. Mas pela via eleitoral, nada disso acontece. Não há tanques nas ruas. Constituições e outras instituições nominalmente democráticas mantêm-se funcionais. As pessoas continuam a votar. Os autocratas eleitos mantêm um verniz de democracia enquanto vão eviscerando a sua essência.”

“Muitos esforços do governo para subverter a democracia são “legais”, no sentido em que são aprovados pela legislatura ou aceites pelos tribunais. Eles podem mesmo ser retratados como esforços para aperfeiçoar a democracia — tornar o sistema judiciário mais eficiente, combater a corrupção ou limpar o processo eleitoral. Os jornais continuam a ser publicados, mas são comprados ou intimidados e levados à auto-censura. Os cidadãos continuam a criticar o governo, mas muitas vezes veem-se envolvidos em problemas com impostos ou outras questões legais. Isso cria perplexidade e confusão nas pessoas. Elas não compreendem imediatamente o que está a acontecer. Muitos continuam a acreditar que vivem em democracia. Em 2011, uma pesquisa da LatinoBarómetro perguntou aos venezuelanos que nota dariam ao seu país de 1 (“nada democrático”) a 10 (“completamente democrático”), e 51% dos respondentes deram 8 ou mais.”

“Como não há um momento único — nenhum golpe, declaração de lei marcial ou suspensão da Constituição – em que o regime obviamente “ultrapassa o limite” para a ditadura, nada dispara os dispositivos de alarme da sociedade. Aqueles que denunciam os abusos do governo podem ser descartados como exagerados ou falsos alarmistas. A erosão da democracia é, para muitos, quase imperceptível.”

Este resumo é o cerne do livro, que por sua vez corresponde a uma súmula que os autores referem como 

4 Indicadores do Comportamento Autoritário

  1. “Rejeição (ou fraco compromisso com) as regras democráticas do jogo." 
  2. “Negação da legitimidade dos opositores políticos." 
  3. “Tolerância ou incentivo à violência." 
  4. “Prontidão para reduzir as liberdades civis dos opositores, incluindo os meios de comunicação social".

O resto do livro é um pouco menos relevante, ainda que muito relevante para os norte-americanos, por se focar em Trump. Para quem tiver interesse, ficará a saber como Trump furou o sistema, um sistema que foi alterado nos anos 1970, e como tornou quase impossível a recusa pelo Partido Republicano de o suportar. Além disso, os autores dão conta do modo ele tem seguido todo o caderno autoritário. No final do livro, fica a ideia, totalmente óbvia, que se Trump tivesse continuado para um segundo mandato acabaria a transformar-se num verdadeiro ditador, transformando com ele toda a paisagem política dos EUA.

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