"Tar" é mais objeto de design do que obra de arte, no sentido em que a direção sintetiza tudo de forma estrita para produzir determinadas emoções e determinadas conotações. Se Cate Blanchet faz um bom papel, nem por isso pode ser vista como o cerne da obra, já que toda a sua performance é controlada no detalhe pela direção e montagem. Repare-se na quantidade de elementos que vão sendo introduzidos em cena, ao longo das 2h30, para desviar ou obrigar a focar a nossa atenção, assim como na imensidão de espaços em que encontramos a protagonista, oferecendo-lhe apenas presenças fugazes. Lydia Tar é profundamente caracterizada pelo mundo que a envolve, em particular os sons, mas também tudo aquilo que os outros consideram sobre ela. Quase como se ela deambulasse ao longo do filme, e o diretor fosse colocando elementos à sua volta que nos obrigam a realizar conotações sobre quem ela é, como pensa e sente.
Quanto ao tema, Todd Field trabalha as questões da celebridade e suas excentricidades conjuntamente com a cultura do cancelamento. Fá-lo numa perspectiva profundamente artística, não tomando qualquer partido, colocando no pedestal cada um dos temas para assim sujeitar o espectador ao questionamento.
Na generalidade, funciona muito bem, mas ainda assim, quando juntamos a excelência da forma com os objetivos do tema, ocorre uma espécie de choque. A forma sabe muito bem o que quer dizer ao contrário do tema sobre o qual não toma qualquer posição. Por isso, quando chegamos ao final podemos, e devemos, questionar se aquilo que nos foi mostrado é um acesso neutro ao que se passou. Porque se Tar pode ser definida como uma exímia perfecionista, desligada das necessidades humanas, mais ainda das mundanas, vivendo apenas a partir da sua acuidade auditiva, também temos de admitir que nem tudo nos é mostrado, porque na verdade nada nos é dado sobre as personagens que a rodeiam. Começando por Francesca, a assistente, que aparece apenas a planar à sua volta, muito pouco sabemos sobre o que sente, assim como o que de mais grave se terá passado ao longo dos anos, já que vemos apenas o presente. O mesmo acontece com a esposa, Sharon, ou ainda a recém chegada Olga, e claro Krista. Por outro lado, a câmara não se coíbe de nos mostrar os viéses em que vai incorrendo Tar, que obrigatoriamente nos coloca de sobreaviso sobre aquilo que podemos não estar a ver. Deste modo, mais uma vez, eleva-se à condição de design, querendo provocar e estimular determinadas ideias muito concretas no espectador, ainda que queira passar a ideia de que não o está a fazer.
Um objeto de design de extrema elegância.
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