junho 20, 2021

Olhares com milhares de anos

Os Retratos Fayum são retratos realistas pintados sobre placas de madeira colocados sobre múmias do Egipto Romano, entre o I e o III séculos d.C., na região de Fayum, um oásis junto ao Nilo. Estes retratos formam uma coleção com de cerca de 1000 obras, fazendo desta a maior coleção sobrevivente do estilo e técnica. A técnica, segundo legados escritos, terá sido iniciada por volta do século IV a.C. na Grécia, contudo, devido à natureza perecível dos materiais não existem legados desse tempo. Esta coleção, como muita da arte egípcia, só chega até nós graças às altas temperaturas que resultam em baixa humidade naquela região, ao que se junta ainda o facto de ter sido enterrada e assim não acessível durante milénios.

Retratos de múmia Fayum, dos séculos I a III d.C (Imagens: 1, 2, 3)

A diferença entre a arte de representação egípcia dos 3000 anos precedentes e estes retratos, após a chegada dos romanos, é um dos elementos mais impressionantes pela mudança técnica operada. Temos uma quase conversão de um mundo gráfico 2d num mundo naturalista 3d dotado de volume, luz e sombras. 

A técnica egípcia, anterior à chegada dos romanos, num excerto do túmulo de Nebaum de 1350 a.C

Se no resto do globo não existem legados, devido às variáveis ambientais, existe um lugar onde podemos encontrar a mesma técnica, e praticamente o mesmo estilo, Pompeia. Mais uma vez, graças à preservação providenciada pela natureza, como se pode ver na imagem aqui abaixo.

"Casal de Pompeia", fresco encontrado em Pompeia, de entre 50 e 75 d.C, usando o mesmo estilo de representação de retrato.

Se as técnicas de luz (chiaroescuro) oferecem a maior impressão visual, muito do naturalismo sentido acontece por via dos olhos — as chamadas janelas da alma —, o modo como brilham e nos miram provoca em quem vê uma espécie de inquietação, como estando a ser interrogado pelas próprias imagens. Algo assim tão intenso só vai voltar a surgir, novamente em Itália, na Renascença.

Coleção de múltiplos retratos Fayum que circula no Reddit

Se na representação gráfica estas imagens impressionam, talvez nos impressione ainda mais perceber que alguns milhares de antes se chegava tão próximo, mas via modelação tridimensional de materiais, como se pode ver na escultura egípcia de "Kaaper" de 2500 a.C.

Os olhos de "Kaaper" criados e preservados graças a uma técnica que usa cristais de rocha e pequenas placas de cobre. Cerca de 2500 a.C


Segundo Plínio, os principais pintores de painéis gregos com esta técnica eram também encarregados de aplicar cor nas esculturas de mármore, daí que se diga que muitas das estátuas que chegaram até nós, totalmente brancas, fossem dotadas de cor, pelo menos a partir de 350 a.C.



Mais informação:
Video seminar "Roman Funerary Portraits", pela Dante Alighieri Society Sydney, dezembro 2020

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado pelo comentário. Vale a pena ver a palaestra da professora de História de Arte, Karen McCluskey, no link que partilhei em baixo em Mais Informação.

      Eliminar