Ulrich Alexander Boschwitz publicou "The Passenger", numa primeira versão, em Inglaterra em 1939, onde chegou depois de ter fugido da Alemanha via um périplo de países — Suécia, França, Luxemburgo e Bélgica. Boschwitz viu-se obrigado a fugir da Alemanha em 1935, foi depois expulso do Luxemburgo, e em Inglaterra, após o início da segunda guerra, foi internado como "estrangeiro inimigo" num campo na Isle of Man, e no verão deportado para a Austrália. No regresso a Inglaterra, em 1942, o barco em que vinha, com mais 300 pessoas, foi torpedeado pelos alemães, resultando na morte de todos os viajantes. O livro desapareceria com ele, nunca mais sendo republicado. Em 2018, uma versão foi encontrada pela sobrinha do autor e completamente revista por Peter Graff, seguindo um conjunto de revisões deixadas pelo autor em cartas enviadas à sua mãe, e publicado na Alemanha, com a versão em inglês a ser publicada, e imensamente aclamada [1, 2, 3], em Abril 2021.
O resumo acima é necessário porque espelha em parte o que acontece no livro, não sendo autobiográfico é profundamente baseado na experiência do autor, dando conta da vida de um empresário judeu, Otto Silbermann, nos dias imediatamente a seguir à Noite dos Cristais, e a sua tentativa de fuga da Alemanha, passando grande parte do livro a viajar por toda a Alemanha por meio de comboio, daí o título "O Passageiro".
Não faltam obras sobre a segunda guerra, nem sequer diários, contudo quis ler de imediato esta obra pela relação entre romance e documento que nos propõe. Não deixa de nos questionar que alguém que passe por tudo isto, ainda consiga encontrar dentro de si forças para dedicar à novelização dos eventos, em vez de simplesmente descrever, listar, ou gritar aos sete ventos o que lhe fizeram. O texto segue convenções do policial dos anos 1940, a fazer lembrar alguns dos filmes de Hitchcock dessa época, com um suspense clássico que nos mantém sempre colados à leitura até ao virar da última página.
Não se espere grandes novidades sobre o conflito, ainda assim dei por mim a racionalizar, mais uma vez, os modos através dos quais toda a sociedade alemã foi levada a embarcar na ideia nazi. Mas talvez o ponto mais relevante seja mesmo o modo como os países à volta da Alemanha lidaram com os judeus que quiseram fugir para os seus países, ou meramente atravessá-los para chegar a outros. Toda a ânsia e drama de Silbermann são vividos por conta do encerramento de fronteiras, não apenas as da Alemanha, mas também as dos países vizinhos. Já conhecia a recusa de aceitação de judeus refugiados nos EUA, mas ainda não tinha lido nada específico sobre os países vizinhos da Alemanha...
É a partir do momento em que percebemos o modo como o mundo está a lidar com o que está a acontecer na Alemanha, em 1938, que o livro ganha maior profundidade. Esvai-se o efeito thriller do suspense, e inicia-se a exposição do sentir interior do personagem e do questionamento da sua relação com a sociedade alemã, o que faz com o que o livro se eleve bastante acima do mero policial.
Sem comentários:
Enviar um comentário