maio 20, 2021

"Dark patterns" na governação de países

Os argumentos dos Estado Europeus para a manutenção dos Jogos de Azar — Euromilhões, Raspadinhas, etc. — defendem que são a melhor forma encontrada para manter vivos dezenas de projetos sociais e culturais. Sem estas, centenas de projetos relevantes cairiam, e seria necessário encontrar alternativas no Estado para os manter. Assim, em termos puramente abstratos, as Raspadinhas são vistas pelos Estados como Impostos Voluntários. As pessoas só "pagam" se quiserem, e desse modo cria-se um instrumento de geração de receitas adicionais que não é contabilizado enquanto tal, e que é, dizem ou querem fazer acreditar, igual para todos. Só há um senão, é que a ideia de Voluntário e Equitativo não tem sustentação. 

“A lotaria do património é um instrumento muito popular em países como por exemplo a França, onde se acredita que os cidadãos são capazes de tomar as suas próprias decisões. Foi até sugerida por vários Estados membros a criação de uma lotaria europeia para o património” -- Graça Fonseca, Ministra da Cultura, 18 maio 2020

Na verdade, quem mais dinheiro investe em jogos de azar é quem menos tem. A razão é simples, não lhe sendo oferecidas oportunidades nem alternativas pela sociedade para ir além da posição em que estão, por mais horas de trabalho que invistam, as classes baixas tendem a investir mais nos jogos de azar.
"Estudo da Santa Casa da Misericórdia revela que quase 80% dos jogadores são de classe média baixa e baixa." -- Sábado, março 2021

"Portugal é o país da Europa onde se gasta mais dinheiro em raspadinhas. Só em 2018 os portugueses gastaram quase 1,6 mil milhões de euros neste jogo - são mais de quatro milhões de euros por dia (há casos de portugueses a gastarem 500 euros em 24 horas)."  -- Expresso, 20.2.2020

Assim, são os próprios beneficiados dos projetos sociais a pagar os projetos que lhe são apresentados como um contributo da sociedade em que vivem, e pelo que devem estar gratos. Mas são também estes quem agora passa a pagar a cultura que as restantes classes, mais favorecidas, consome.

A acrescentar a isto, temos ainda que a razão pela qual são as classes desfavorecidas quem mais investe nos jogos de azar se prender com o facto de serem as menos instruídas e menos capazes de fazer frente à manipulação exercida pelos sistemas de Jogo.

"falta de literacia sobre os riscos (...) Não passa pela cabeça da maioria das pessoas que podem ficar viciadas” (...) "saber imediatamente qual o resultado do jogo, e se se ganhou um prémio ou não, “faz com que haja um maior potencial de vício e de adição” (...)  -- Expresso, 20.2.2020

“São publicadas muitas, muitas notícias sobre casos concretos e que passam a ideia de que se pode ganhar muito gastando pouco, e isso ajuda a criar uma ideia distorcida da probabilidade de ganhar” -- Expresso, 20.2.2020

A cereja, que não o é, porque neste caso é o bolo completo, são os Estados, com os seus ministros a apoiar abertamente e com largos sorrisos, quem cria os próprios jogos, escudados pela Santa Casa da Misericórdia. É como se os estados europeus lançassem grandes cultivos e fábricas de tabaco, e depois colassem aquelas imagens nos maços de tabaco, e nas entrevistas dissessem, "Só fuma quem quer, é voluntário". 

Tudo isto revela no fundo o modo como os Estados, a própria União Europeia, estão a usar dark patterns, truques cognitivos manipulativos, para governar os seus cidadãos.

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