Silent Souls (2010) de Aleksei Fedorchenko evoca uma etnia milenar desaparecida, os Merja, que foi entretanto transformada pelos Eslavos, chegando à Rússia moderna apenas sob a forma de alguns costumes e tradições nas zonas de Rostov, Jaroslavl, a norte de Moscovo.
Mesmo não sabendo que o primeiro trabalho de Fedorchenko se tratava de um falso documentário, First on the Moon (2005), é difícil não nos questionarmos sobre a veracidade do que nos é apresentado em Silent Souls. Não os costumes e as tradições apresentadas, mas a hipótese de eles prevalecerem numa sociedade moderna, com o controlo e a legislação que nos rege. Seria possível transportar um corpo num carro comum embrulhado numa manta ao longo de vários quilómetros sem ninguém querer saber, e mesmo a polícia achar normal?
Mas isto é apenas a superfície da realidade que serve de ponto de partida à narrativa mágico-realista de Fedorchenko. O que o filme nos traz vai muito para além desses detalhes, e joga-se no mundo do espiritual, expondo a nu o modo como os Merja conceptualizam a vida, sob um olhar muito distinto dos grandes padrões religiosos da Europa ocidental. Aqui tudo é "água", e a nossa vida é apenas uma passagem no grande rio.
Se na história se evocam temas profundos adocicados pela magia de diferentes visões do mundo, na estética temos magia cinematográfica. Desde o ritmo calmo e sereno mas sem delongas à fotografia absolutamente magistral criada por Mikhail Krichman, tudo contribui para a criação de uma aura de transcendência da vida. Krichman recebeu a Osella de ouro em Veneza para esta fotografia, mas nada que surpreenda depois de ter assinado as magistrais fotografias dos três filmes de Andrey Zvyagintsev.
Silent Souls mexe connosco e questiona-nos, não dá, nem pretende dar respostas, é melancólico sem ser propriamente dramático, é uma viagem através de lugares frios e distantes, com costumes distintos mas que falam ao nosso interior. É um poema audiovisual.
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