setembro 09, 2012

"Nobreza de Espírito" de Rob Riemen

O livro, Nobreza de Espírito de Rob Riemen, divide-se em três momentos distintos, começando por uma exposição introdutória explicativa da razão do livro, e do porquê do seu formato. Seguida por uma revisão do trabalho e ideias sobre o mentor de Riemen, Thomas Mann. Nestes dois primeiros capítulos ficamos a saber de onde vem, e ao que vem Riemen. Percebemos que está a cumprir um desígnio, e sabemos com o que o fundamenta. Estas duas partes do livro estão formatadas num tom documental, ligadas por conversas com a filha de Thomas Mann, Elizabeth Mann Borgese, com o atentado do 11/9 em 2001, e a composição de uma sinfonia que se perde com a morte do seu compositor.

Riemen, R. (2008), Nobreza de Espírito, um ideal esquecido, E. Bizâncio, 2011

A terceira parte é depois dividida em dois capítulos - Conversas extemporâneas... e Coragem - e é aqui que está a essência do livro, numa fusão e colagem de textos, misturando realidade e ficção, de autores do passado desde Sócrates e Platão a Espinoza, Nietsche, Goethe e Whitman terminando com uma homenagem a Leone Ginzburg, o ideal encarnado do espírito da sua missão. O objectivo do livro parece ser definir o que é a Nobreza de Espírito, mas só depois de o lermos e de convivermos com este algum tempo percebemos que a definição não se fecha numa frase ou num parágrafo, e nem sequer num livro. A missão de Riemen é lembrar-nos de que o diálogo e o debate são a única via, não podemos esperar respostas prontas ao virar de esquina, ou soluções que fechem todas as nossas preocupações.
A liberdade – difícil e trágica liberdade – já não é mais o espaço de que o indivíduo necessita para praticar a aquisição da dignidade humana; é antes a perda dessa dignidade a favor da idolatria do ideal animal: tudo é permitido. O significado é desconhecido, o sentimento é substituído pelo objectivo. Experiências ‹‹divertidas›› e ‹‹saborosas›› substituem o conhecimento do bem e do mal. Porque o eterno não existe, tudo tem de ser agora, novo e rápido. Ninguém pode ser mais sábio, portanto todos têm razão. Todos são o mesmo, portanto o que é difícil é antidemocrático. A arte transforma-se em entretenimento, e a  fama das coisas ou das gentes é importante. A declaração de Gracián de que o peso material determina o valor do ouro mas o peso moral determina o valor humano é posta às avessas (..) O que é bom para o ouro, é bom para ti. Portanto comercializa-te! Adapta-te (...) é este niilismo da sociedade de massas que, como um cancro, ataca a civilização, o tecido conectivo da ordem social, e o destrói. O que resta sem esse tecido é uma quantidade ilimitada de indivíduos separados que no fim procuram destruir-se uns aos outros porque já não estão unidos por um valor universal mas seduzidos pela ideia de ‹‹eu sou livre, portanto tudo é permitido›› (Riemen, 2008, p.110)
Riemen trabalha seguindo Mann quando este nos anos 1920 dizia que só os valores do Humanismo podiam proteger a civilização da barbárie e do fundamentalismo. É este o ideal da sua missão, e foi por ele que Mann teve de fugir pouco depois para os EUA. Riemen dá os exemplos de Mann que continuou todos os dias a trabalhar na sua obra, apesar da grande guerra ou do suicídio do seu filho. De Camus que disse não aos seus amigos, quando lhe pediram para pôr de lado a moral em nome da política. Trabalha com o grande final de Sócrates, quando este optou pela morte, em vez de parar de questionar o mundo. E fecha com a recusa de Leone Ginzburg em colaborar com o Fascismo, optando por morrer sob tortura.

A Morte de Sócrates (1787) Jacques-Louis David

O último capítulo Coragem é dedicado ao fim de Ginzburg, desenvolvendo um diálogo que se terá passado entre Ginzburg e um ex-colega da universidade, convertido ao fascismo. Neste diálogo inesquecível, está muita da atualidade das elites intelectuais que vemos passar pelos palcos dos media, que optam por se subjugar ao medo em defesa do seu bem-estar social e financeiro. Segundo estes, nada é mais importante do que saber adaptar-se às circunstâncias. Um “mundo melhor” é aquele no qual nos adaptamos ao poder que nos regula, independentemente do que este ordena. Fica para trás a liberdade do pensamento individual, e qualquer defesa dos valores morais da humanidade.

Aqui se encerram os ideais para uma Nobreza de Espírito, na intransigente defesa dos valores daquilo que nos torna Humanos, a liberdade e a fidelidade de pensamento.


Nota: Interessante e estranho que tanto a edição portuguesa da Bizâncio, aqui analisada, como a inglesa pela Yale University Press estejam esgotadas e fora de impressão. Consegui uma cópia porque contactei directamente a editora que tinha lá umas sobras e teve a amabilidade de me disponibilizar um desses exemplares.

Sem comentários:

Enviar um comentário