Neste verão, depois da Minha Viagem a Itália com Scorsese ao longo de quatro horas, não resisti a procurar ver e rever alguns dos filmes que marcaram o período mais importante da história do cinema italiano, o chamado neorealismo, fruto do final da segunda grande guerra na Europa. Vi assim os três primeiros filmes de Rossellini - Roma, Città Aperta (1945), Paisà (1946), Germania Anno Zero (1948) - a chamada trilogia da guerra, e depois os primeiros três filmes de Antonioni - L'Avventura (1960), La Notte (1961) e L'Eclisse (1962) - definidos como a trilogia do descontentamento com o modernismo.
Il Mio Viaggio in Italia (1999)
Começando por Rossellini, os seus filmes são de um realismo impressionante, não tanto na forma apesar de alguns actores não-profissionais, mas mais na escolha do tema e o seu tratamento discursivo. Roma impressiona-nos muito, mesmo passados 60 anos o filme continua imensamente atual, mas fiquei ainda mais impressionado com Germania que nunca tinha visto.
Germania Anno Zero (1948)
Se Roma é um manifesto declarativo da inocência do povo italiano contra a barbaridade fascista, Germania é um dos poucos filmes em toda a história do cinema a atrever-se a mostrar o outro lado, a ser condescendente com um país odiado por todos. E este filme só o pôde ser porque surgiu exatamente depois de Roma, de outra forma seria muito difícil aceitar tudo o que aqui é exposto sem pensar em segundas intenções por parte do autor. Paisá é por outro lado um retrato do pós-guerra, breves contos que nos transportam por entre diferentes perspectivas e sentires do pós-guerra de sul ao norte de Itália.
Roma, Città Aperta (1945)
Mas se viajar com Rossellini é sentir banhos de realidade em sofrimento visceral, já viajar com Antonioni, apesar de continuarmos sobre bandas largas de sofrimento, é vaguear pelos implícitos e sentir apenas após reflectir. Enquanto Rossellini se preocupou em pôr tudo à flor da pele, e a mostrar provas para nos levar a acreditar e a sentir, Antonioni cria todo um universo de atmosferas introspectivas que nos faz desligar da realidade diária e nos transporta para uma espécie de realidade alternativa que se agarra a nós e teima em não nos deixar muito depois de os filmes terem acabado.
L'Avventura (1960)
Depois de ter visto a trilogia de seguida, o meu sentimento à volta da especificidade antonionesca sai ainda mais reforçado. Tudo nestes filmes transpira Antonioni, sente-se na atmosfera, nos diálogos, na fotografia, no ritmo, na interpretação. Toda a estilística é tão peculiar que se torna inconfundível, é toda uma forma própria de expressar ideias, ainda que usando um mesmo meio, o cinema. Antonioni respira e expira melancolia intelectualizada, pouco se passa, e o que passa nada diz de modo explícito. Cada momento está repleto de sentidos, mas cabe ao espectador encontrá-los, é o minimalismo. Se nos deixarmos levar pelas ideias em imagens, entraremos adentro de uma forma diferente de olhar a realidade, que sem dúvida nos questiona sobre o que nos rodeia.
L'Avventura (1960)
L'avventura consegue de uma forma tão subtil e minimal dar conta de um dos maiores dramas da contemporaneidade, a diminuição do tempo de atenção. O desaparecimento de Anna rapidamente se esvanece sem qualquer resposta, e os personagens nem por ela esperam, para logo reatarem novos romances. Tudo se move muito rapidamente, tudo anda muito depressa, interessa apenas o aqui e o agora. Mas L'Aventtura faz isto de uma forma que podemos dizer narrativamente brutal, como é possível que o filme não dando resposta ao desaparecimento de um personagem os espectadores ainda assim se contentem, e consigam proceder ao fechamento da narrativa. É um olhar crítico à pós-modernidade, em que se aceita a destruturação, a fragmentação, em que tudo é efémero, flexível, re-adaptável e não-durável.
La Notte (1961)
La Notte traz-nos mais uma vez a crítica da nova modernidade representada no escritor de sucesso, na sua ascensão, e na deliberada crítica ao sistema mercantilista em detrimento da cultura. O casal deambula como uma dupla de zombies por entre a sociedade em busca de motivações que os mantenham juntos, tudo está ao alcance, mas tudo é tão desprezível.
L'Eclisse (1962)
L'Eclisse quer seguir na mesma linha, embora dos três seja o menos forte para mim. Mais uma vez a crítica e sátira ao mercantilismo, com a bolsa de Milão como pano de fundo. Monica Vitti não encontra repostas ao seu desejo de uma relação de amor, mas no fundo será que é mesmo isso que procura. Carrega consigo a melancolia do questionamento constante, para onde vou e porque vou, o que faço aqui. Aliás toda a trilogia é de um existencialismo exacerbado, que por momentos me faz pensar em Camus, embora numa linha diferente.
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