maio 15, 2022
“Vladimir” (2022) de Julia May Jonas
maio 12, 2022
O Instinto Humano
Miller passou as últimas décadas a defender a ciência por detrás da teoria da evolução em tribunais, apresentando argumentação contra os movimentos de criacionistas e defensores do design inteligente. Para quem ainda possa ter dúvidas sobre a evolução, nomeadamente fique reticente quando ouve que “tudo não passa de uma teoria”, Miller faz aqui um bom trabalho de desmistificação, apresentando evidências, ao nível do DNA, do processo evolutivo da vida na Terra. Mas Miller não escreveu “The Human Instinct”(2018) para explicar o suporte existente à teoria de Darwin, o seu objetivo é bastante mais vasto. A questão central aqui é a de saber se o evolucionismo por ter morto Deus, como disse Nietzsche, nos deixou realmente órfãos e entregues ao niilismo, ou se podemos encontrar no próprio processo evolucionário algo mais.
maio 08, 2022
O Massacre de Nanquim
Não tivesse Iris Chang cometido suicídio em 2004, provavelmente não teria lido o seu livro “The Rape of Nanking” (1997). Chang foi fortemente atacada pelo Japão na forma da sua desacreditação, mas não parece ter sido esse o único motivo do seu fim. Quando morreu estava a trabalhar o tema da “Marcha da Morte de Bataan”, mais um crime de guerra japonês pouco conhecido. A leitura de “The Rape of Nanking” foi uma das minhas mais violentas experiências de leitura de sempre, por duas vezes senti o vómito subir-me à garganta. No final do livro, percebe-se que muitos dos que sobreviveram àquele inferno pereceram precocemente pouco depois. Isto fez-me sentir que talvez a nossa capacidade cognitivo-emocional não esteja preparada para tamanha dissonância. Levar uma vida normal de empatia humana enquanto se convive interiormente com horrores deste calibre.
maio 01, 2022
Como Compreendemos o que Lemos
Daniel T. Willingham é um professor e investigador da psicologia que se dedica ao estudo dos aspetos cognitivos da aprendizagem, de quem recomendo vivamente a leitura do anterior "Why Don't Students Like School?: A Cognitive Scientist Answers Questions About How the Mind Works and What It Means for the Classroom" (2009). Neste livro, "The Reading Mind: A Cognitive Approach to Understanding How the Mind Reads" (2017), aprofunda exclusivamente o processo de leitura enquanto processo cognitivo para nos dar a compreender como lemos, desde o momento em que interpretamos as letras até ao momento em que criamos sentido de um texto que lemos.
abril 30, 2022
O humano Aristóteles
A partir de um apurado levantamento histórico Annabel Lyon especula sobre os três anos em que Aristóteles foi professor de Alexandre o Grande. Aristóteles tinha cerca de 40 anos e Alexandre 13. Mas não se espere um mundo perfeitamente delineado e amigável. Lyon construiu um texto minimalista, oferecendo muito poucas referências, raramente enquadrando os episódios supostamente mais conhecidos das vidas de ambos, ao mesmo tempo que constrói as cenas num modo abstrato, situa-as ligeiramente no espaço e tempo, mas apenas por forma a lançar o leitor numa mais profusa especulação sobre o que e como terá acontecido. Esta abordagem torna o texto em si distante e pouco envolvente, já que procura estimular o efeito dramático no leitor que para o efeito tem de recorrer à História. Por outro lado, Lyon apresenta um mundo de comportamentos com dois mil anos, distantes, mas também feitos de carne, de desejos e ódios, o que não raras vezes nos faz bater de frente com imaginários de uma suposta elevação da Grécia Antiga.
abril 24, 2022
O último abraço
"Mama's Last Hug" (2018) é uma defesa, apoiada por décadas de ciência empírica, da existência efectiva de emoções nos animais não-humanos. Contudo, como livro, não vai além de uma conversa ligeira sobre o assunto, serve mais quem apenas quiser introduzir-se ao tema. O título do livro surgiu a De Wall pela visita realizada pelo professor Jan van Hooff à chimpanzé Mama, quando esta estava às portas da morte, originando um reencontro intensamente emocional, um momento mágico e profundamente humano entre seres de duas espécies.
abril 16, 2022
"The Mauritanian" (2021)
"The Mauritanian" (2021) de Kevin Macdonald, conta-nos a história de Mohamedou Ould Slahi que foi torturado e detido sem qualquer acusação em Guantánamo durante 14 anos. A história segue o livro "Guantánamo Diary" (2015) escrito pelo próprio Mohamedou Ould Slahi, e conta com a excelente performance de Tahar Rahim e ainda Jodie Foster.
O filme é uma chapada brutal na administração americana e na sua atitude sobranceira de polícia da democracia no mundo que constantemente demanda o "olha para o que eu digo e não para o que eu faço". Considerando o que foi feito, não só para com os prisioneiros, mas para com os próprios cidadãos americanos que tentaram por cobro à situação, podemos ver muitas semelhanças com aquilo que a Rússia está a fazer neste momento. Como se a guerra fosse sinónimo de carta branca, e as convenções que se assinam servissem apenas quando nos dão jeito.
O trabalho de Kevin Macdonald é sério, contido em termos emocionais. Existe um claro esforço no tratamento do caso para garantir a sua exposição que mesmo quando recorre a algumas sequências mais fortes e a cinematografia e montagem agressivas, nunca se deixa toldar por uma ideia de revanchismo ou acusação gratuita às autoridades, chegando mesmo a servir-se do anti-climax para passar as ideias da forma mais depurada possível.
No final, as imagens do verdadeiro Mohamedou Ould Slahi ajudam a compreender melhor quem ele é, e as particularidades da sua personalidade que tão bem Tahar Rahim emula no filme.
abril 15, 2022
Dinamarca na 2ª GG
Subtextos de um Príncipe
Os livros de Iris Murdoch não se podem ler apenas enquanto histórias, a sua faceta filosófica está sempre presente no subtexto requerendo que nos debrucemos sobre as motivações do tema, buscando chegar ao que terá conduzido o pensar no engendrar do mundo ficcional e das ações dos personagens. No caso de “O Príncipe Negro” (1973), temos à superfície uma tragédia, um escritor de 58 anos divorciado que se apaixona pela filha de 20 anos de um casal que é constituído pelos seus dois melhores amigos de sempre, e acaba a desencadear reações trágicas e irreversíveis. Se a intriga mantém o nosso envolvimento até ao final e com boa intensidade emocional, aí chegados parece tudo saber apenas a “mais uma tragédia de amores”. Mas se refletirmos no sentido ético da filosofia de Murdoch (Duringer, 2022), podemos ver mais, podemos ver como todo o texto é um labor de dissecação do comportamento humano, numa tentativa de oferecer à compreensão aquilo que o nosso preconceito tende a impedir-nos de abarcar, sem recorrer a embelezamento nem persuasão. O personagem é apresentado na sua plenitude, com toda a carga negativa, reforçando mesmo a nosso recusa, contudo essa apresentação obriga-nos a repensar, a procurar compreender.