maio 01, 2022

Como Compreendemos o que Lemos

Daniel T. Willingham é um professor e investigador da psicologia que se dedica ao estudo dos aspetos cognitivos da aprendizagem, de quem recomendo vivamente a leitura do anterior "Why Don't Students Like School?: A Cognitive Scientist Answers Questions About How the Mind Works and What It Means for the Classroom" (2009). Neste livro, "The Reading Mind: A Cognitive Approach to Understanding How the Mind Reads" (2017), aprofunda exclusivamente o processo de leitura enquanto processo cognitivo para nos dar a compreender como lemos, desde o momento em que interpretamos as letras até ao momento em que criamos sentido de um texto que lemos. 

"Stop for a moment and wonder: what's happening in your brain right now—as you read this paragraph? How much do you know about the innumerable and amazing connections that your mind is making as you, in a flash, make sense of this request? Why does it matter?"

O processo de leitura parece-nos bastante mais simples do que efetivamente é. A imagem abaixo dá conta da série de processos efetuados por nós todas as vezes que tentamos compreender uma série de linhas de texto. Começamos pela junção de letras que procuramos compreender a partir dos sons que emitem, coadjuvadas pelas regras ortográficas, que nos permitem chegar à compreensão das palavras. Depois, analisamos as frases usando as regras sintácticas, mas também analisando a sua inter-relação ("teia-de-ideias"), ao que juntamos por fim o mais complexo de toda a equação, o "modelo situacional" (explico à frente o que é).

Modelo de Leitura apresentado por Daniel T. Willingham sobre os processo cognitivos realizados sobre os cinco grandes níveis da linguística: Fonologia, Morfologia, Sintática, Semântica e Pragmática. 

O processo global usa um conjunto alargado de aprendizagens sobre a leitura que em essência são construídos de cada vez que nos forçamos a ler. Willingham dá conta de um ou outro exercício, mas diz que os seus efeitos são reduzidos, já que todo o processo depende da contínua repetição do mesmo. No fundo, o mesmo que em qualquer outra área, quanto mais jogo à bola, ou quanto mais toco violino, melhor consigo dominar os seus aspetos essenciais. Isto mesmo estava no seu livro anterior "Why Don't Students Like School?".


Willingham explica o modo como o nosso cérebro preserva as palavras e como as recupera para compreender o que está a ler a partir de nuvens de associação de palavras, que ao contrário das meras listas de atributos, permite relacionar de modo quase infinito o que estamos a ler. Veja-se no topo, a oposição entre duas listas de características das palavras Watermelon e Apple e uma nuvem de palavras que engloba ambas as palavras. E em baixo a nuvem que se expande a partir do verbo Spill.

Assim, quanto mais lemos mais fácil se torna ligar as letras aos sons e reconhecer a sua ortografia. Quanto mais lemos mais fixamos o significado de palavras e mais palavras aprendemos a significar. Quanto mais lemos mais reconhecemos as regras sintácticas, assim como reconhecemos as representações e convenções de construção frásica, conseguindo organizar mentalmente as relações e implicações (contexto interno) entre palavras e frases (teia-de-ideias). Por fim, quanto mais lemos mais contexto externo a cada texto conhecemos, e desse modo mais fácil fica criar o modelo situacional do que se lê.

O que é o Modelo Situacional?

Willingham explica que se a compreensão da leitura fosse apenas uma questão de criar teias-de-ideias, dificilmente conseguiríamos extrair significados transformadores do que lemos. O que lemos tende a conduzir-nos a uma ideia geral, um quadro que representa o todo do que lemos, essa representação é o modelo situacional. Willingham refere um conjunto de teorias que procuram dar conta deste modelo de representação, mas aponta a teorização de Zwaan (1998) como a mais influente e que nos diz que que os leitores quando lêem focam-se em 5 grandes elementos:

(1) o que a personagem principal está a fazer; 

(2) o tempo dos acontecimentos; 

(3) as relações espaciais entre os elementos; 

(4) as relações causais entre acontecimentos; 

(5) e se os acontecimentos são relevantes para os objectivos da personagem principal.

Podemos dizer que temos aqui os 4 grandes elementos que constituem uma história — o mundo; as personagens; os acontecimentos; e o tema e sua moral —, ou ainda que temos aqui as respostas aos seis elementos de circunstância, segundo Aristóteles (Sloan, 2010), também usados pelo jornalismo — Quem, Quê, Quando, Onde, Como e Porquê — que nos permitem construir e reter mentalmente uma síntese de algo que lemos, vemos ou ouvimos. E por isso, como diz Willingham, raramente retemos as palavras exatas do que lemos ou ouvimos, porque realizamos este exercício de abstração que nos permite sintetizar e memorizar. Apesar disso, como dito acima, a continuada leitura ajuda-nos a memorizar as letras, palavras, regras, representações e claro a expandir o conhecimento sobre cada assunto. 

Deste modo, a nossa compreensão do que lemos é muito mais afetada pelo que já sabemos sobre o assunto do que pelas nossas competência verbais, como se pode ver no estudo abaixo, em que quem sabe mais de futebol compreende melhor o que está a ler do que quem apenas detém boas competências de leitura. 

Quanto mais sei sobre o assunto sobre o qual estou a ler melhor consigo reter o que li, porque melhor consegui compreender, encaixando o novo conhecimento sobre modelos de situação criados anteriormente.

Ou seja, quanto mais alargada for a cultura do leitor maior será a sua capacidade de chegar a compreender o que está a ler. Por isso mesmo se torna fundamental que não nos fechemos em silos, que não nos detenhamos apenas na tentativa de ler tudo sobre uma e única coisa, mas que expandamos os horizontes. É fundamental alargar o mundo que conhecemos para podermos chegar a compreender efetivamente não apenas o que lemos, mas o mundo em que vivemos.

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