Publiquei ontem a resenha do livro “The Frontiers of Knowledge" (2021) de AC Grayling no n. 10 do Journal of Digital Media & Interaction, a revista científica do DigiMedia. Na resenha dou conta das abordagens seguidas por Grayling, contudo aqui quero aproveitar para dar conta do quanto me tocou pessoalmente, nomeadamente a escolha que Grayling fez na seleção das 3 áreas de fronteira: a física, a história e a psicologia. O facto de ter selecionado 3 áreas centrais que acompanho, colocou-me em total sintonia com o autor, fazendo com o que o livro se tivesse tornado para mim numa das leituras mais instigantes da última década. Se tiverem ficado com curiosidade leiam a resenha!
julho 30, 2021
“The Frontiers of Knowledge" (2021) de A.C. Grayling
julho 25, 2021
O Fim da Grande Ilusão
“O Fim do Homem Soviético: Um Tempo de Desencanto” (2013) é uma tentativa de Svetlana Alexievich de nos ajudar a compreender o que aconteceu com o fim da União Soviética. Escrito a partir da captação de centenas de relatos orais, técnica de escrita em que se especializou, a autora procura a partir do interior de pessoas reais construir um mapa de recordações que possam iluminar os efeitos humanos da decadência soviética. Não é um trabalho propriamente académico, já que o enfoque se dá na emoção, no sentir de cada entrevistado, e Alexievich nunca tenta abstrair, generalizar ou sintetizar as leituras. O foco é o particular, o individual, o subjetivo, o humanamente concreto. Naturalmente que isso nos obriga a uma leitura mais atenta, não podemos ler aqui tudo como verdade, ainda que tudo seja baseado no que dizem pessoas reais — a realidade é constituída pela multiplicidade de dimensões construídas pelo olhar de cada ser humano. Mas também percebemos que muito do que é dito não nos é totalmente estranho, e empaticamente conseguimos aferir parte da sua veracidade.
Milan Kundera: A Arte do Romance
Milan Kundera diz a determinada altura, neste "The Art of the Novel" (1986), que em julho de 1985 tomou a decisão de não mais conferir entrevistas. Parece um preciosismo, uma excentricidade artística proveniente de um ego excessivamente inflamado. Mas ao ler esta obra percebemos duas coisas: Kundera é alguém muito cioso da forma das suas obras, com a música como berço soube usar todo o seu formalismo para criar uma literatura com formas por vezes quase matemáticas; por outro lado, olhando aos reparos que vai fazendo sobre a imprensa e traduções feitas do seu trabalho nos anos 1970, percebe-se que o cuidado era pouco, nomeadamente com um autor provindo de um país escondido atrás de uma "cortina de ferro".
julho 24, 2021
2666: uma longa viagem
No final das 1000 páginas podemos fechar o livro e decidir ficar com as impressões criadas ao longo das semanas de leitura, sem realizar qualquer esforço de as organizar, de lhes dar um sentido. Essa vontade pode ser maior quando de frente a livros que são escritos com a intenção de se furtar a essas tentativas de catalogação ou organização de significados, como é o caso de “2666”. Ainda assim, enquanto leitores dotados de competências, por vezes obsessivas, na identificação de padrões e atribuição de significados, torna-se difícil não encetar esse esforço. As linhas que se seguem são assim o resultado da minha experiência de leitura, condensada e verbalizada num conjunto de ideias e parágrafos.
julho 14, 2021
Sistematizar é diferente de Inventar
Este livro, "The Pattern Seekers: How Autism Drives Human Invention" (2020), deixou-me com impressões mistas, se por um lado compreendo o esforço de Baron-Cohen na tentativa de contribuir para uma sociedade mais inclusiva — a integração de pessoas com autismo — por outro lado, o modo como o faz, seguindo o culto de algumas valências cognitivas, que estão por acaso neste momento na mó de cima — os criadores de tecnologias digitais — acaba por fazer parecer que se posiciona num dos lados da barricada, e assim no esforço e defesa pela inclusão acaba tornando-se discriminador dos que não possuem essas competências. Por outro lado, muito do discurso aqui apresentado é feito com base em muitas impressões suas apenas, ainda que detentor de muitos estudos na área do autismo, tal não lhe oferece suporte à definição do que são processos de invenção e criatividade. Por fim, uma boa parte da discussão no livro é repescada daquilo que tem vindo a dizer ao longo dos últimos 20 anos, acrescentando pouco de novo.
julho 04, 2021
A Universidade, hoje e amanhã
O Expresso escrevia ontem que existe uma “revolução em curso nas universidades: menos teoria, mais prática e ensino à distância” e suporta essa ideia numa afirmação de um reitor de uma universidade portuguesa:
“Não podemos continuar a dar as aulas como fazemos há 50 anos, porque hoje lidamos com jovens que são nativos digitais e que têm uma mentalidade completamente diferente. Muitas instituições vão definhar se não se adaptarem às novas tendências a nível da metodologia, da organização dos currículos e da evolução tecnológica.” Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra, in Expresso, 3 julho 2021
junho 27, 2021
“Project Hail Mary” (2021)
Andy Weir conseguiu novamente. 10 anos depois do brilhante trabalho de especulação científica realizado em “The Martian” (2011), localizado em Marte, traz-nos agora “Project Hail Mary”, localizado no sistema planetário de Tau Ceti, um sistema a 12 anos-luz do nosso sistema Solar, e onde se tem especulado sobre a existência de super-Terras, planetas habitáveis. “Project Hail Mary” segue a mesma fórmula de “The Martian” elevando a amplitude nomeadamente pela exposição à volta da engenharia e ciência — astrofísica (trabalhando intensamente a relatividade), cosmologia, química, biologia, evolução e linguística. Pode-se dizer que o livro é feito de problemas de engenharia que obrigam a evocar muita ciência complexa criada ao longo dos últimos 100 anos. E se o protagonista é um professor de ciências do secundário, o livro acaba mesmo parecendo um semestre de aulas transpostas para uma temporada televisiva de aventuras espaciais. Não se espere uma obra de grande literatura, espere-se antes uma grande obra de comunicação de ciência, com emoção, mas especialmente muito sonho à volta do cosmos.
junho 22, 2021
Da História de Roma Antiga
Nos últimos anos tenho lido várias obras que abordam o império romano — em particular "O Infinito num Junco" de Irene Vallejo, "Augustus" de John Williams e "Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar, ou ainda os próprios clássicos romanos "A Eneida", Seneca ou Lucrécio — e por isso a curiosidade sobre a Roma Antiga foi aumentando. Inevitavelmente fiz a aproximação primeiro através da monumental obra de Edward Gibbon, “The History of the Decline and Fall of the Roman Empire”, publicada em 1776, contudo, pouco depois de a iniciar descobri a existência de uma outra obra sobre Roma, “SPQR: A History of Ancient Rome” bastante mais recente, de 2015, de Mary Beard, professora de cultura clássica respeitada e por vezes equiparada a Gibbon. Decidi então deixar Gibbon de lado e seguir com Mary Beard. As razões para o fazer foram várias, como dou conta a seguir, mas no final sinto que fiz bem, essencialmente porque me permitiu encerrar a curiosidade que tinha, e explicarei porquê. Entretanto, consegui terminar o visionamento da série "Rome" (2005) da HBO, da qual dou conta no final.
junho 20, 2021
Olhares com milhares de anos
Os Retratos Fayum são retratos realistas pintados sobre placas de madeira colocados sobre múmias do Egipto Romano, entre o I e o III séculos d.C., na região de Fayum, um oásis junto ao Nilo. Estes retratos formam uma coleção com de cerca de 1000 obras, fazendo desta a maior coleção sobrevivente do estilo e técnica. A técnica, segundo legados escritos, terá sido iniciada por volta do século IV a.C. na Grécia, contudo, devido à natureza perecível dos materiais não existem legados desse tempo. Esta coleção, como muita da arte egípcia, só chega até nós graças às altas temperaturas que resultam em baixa humidade naquela região, ao que se junta ainda o facto de ter sido enterrada e assim não acessível durante milénios.