Talvez o filme que mais se tenha aproximado surgiu numa fase já mais tardia desta vaga, já como terceiro filme de Oliver Stone sobre o conflito, um dos poucos realizadores que esteve realmente na Guerra do Vietname, intitulado “Heaven & Earth” (1993). Ainda assim, e apesar de baseado em livros de Le Ly Hayslip, uma autora vietnamito-americana, acaba por surgir filtrado por Stone, dando conta da realidade que releva para os olhos americanos. Aliás, nesta altura os franceses quiseram também dar conta da sua posição no conflito, ou melhor, do que antecedeu o conflito, e deram-nos “Indochine” (1992), e ainda que como “Heaven & Earth” vá muito além de tudo o resto, mostrando uma realidade do Vietname até aqui desconhecida, continua a ser uma expressão francesa sobre o outro.
Não é só por tudo o que disse acima, mas é também muito por isso que este livro de banda-desenhada autobiográfico de Thi Bui, “The Best We Could Do” (2017), ganha uma enorme importância, porque é chegado o tempo de quem sofreu se expressar, de dar a conhecer ao mundo os seus sentires, explicar o que aconteceu, como e porquê, ainda que seja sempre o seu lado da história. Ainda há um par de anos Matt Huynh tinha feito uma incursão neste universo por meio de uma brilhante banda desenhada interativa, "The Boat" (2015), de que aqui dei conta. Contudo Thi Bui conseguiu chamar a atenção com este livro, e não é por acaso que Bill Gates o recomenda como um dos seus livros de 2017.
Viet Thanh Nguyen, o autor vietnamito-americano de “O Simpatizante”, o Pulitzer de 2015 que deu um dos primeiros empurrões para o que parece ser esta nova vaga de histórias sobre o Vietname, surge na capa desta banda-desenhada, dizendo sobre a mesma: "Um livro para despedaçar o seu coração e depois curá-lo". Não podia estar mais de acordo, pois se o livro tem um enorme valor histórico-social, capaz de nos ajudar a compreender os sentires de uma população que sofreu os piores males da guerra e da política, não deixa de ser uma belíssima narrativa, construída com grande virtuosismo. Se no início somos levados a desejar compreender a história daqueles personagens, e a meio conduzidos pela tentativa de compreender a problematização política, no final só o sentimento nos é dado, tudo se eleva, tudo se demarca, e o pensamento conduz-se apenas para a razão do que é ser-se humano neste nosso pequeno planeta.
E por isso, se inicialmente me pareceu algo condescendente a escolha de Gates, no final do livro tenho de dizer que "The Best We Could Do" foi uma das minhas grandes leituras de 2017.
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