maio 20, 2022

Quando o selo de qualidade não funciona

Este livro não é o que pensam. Não é sobre a Internet. E é altamente Não recomendado. O livro, "The Internet Is Not What You Think It Is: A History, A Philosophy, A Warning" de Justin Smith publicado pela Princeton University Press neste ano de 2022, é sobre um monte de interesses específicos do autor que só tangencialmente se relacionam com a internet. Mais, o autor não tem ideia nenhuma sobre aquilo que a internet é, seja na sua essência tecnológica, seja na sua função de comunicação. Partes do texto parecem tiradas de artigos de jornal, outras partes parecem discussões que tivemos nos anos 1990 sobre a internet. A grande questão que se coloca é porque é que este livro foi editado pela Princeton Press. Era suposto o selo da editora garantir qualidade académica ao que edita. Não era difícil olhar para o currículo do autor e perceber que a Internet, tanto pelo lado das ciências da computação, como pelo lado das ciências da comunicação, nunca fizeram parte da sua formação. Aceitar que alguém fale de tudo, apenas porque cola alguns nomes respeitados da história da filosofia, parágrafo sim parágrafo não, é meio-caminho para descredibilizar toda a editora.

Infelizmente, um livro altamente NÃO recomendado

O autor fala em 4 grandes problemas criados pela internet. 1, os humanos são explorados não apenas pelo seu trabalho, mas também a partir das suas próprias vidas, ao manterem vivas com o seu trabalho as redes sociais (roubado a ideia de que se é de borla, nós somos o produto). 2, a internet ameaça as nossas faculdades de atenção, impedindo o normal desenvolvimento humano (roubado à histeria sobre o excesso de horas passadas na internet e da baixa de níveis de atenção). 3, a internet condensa a nossa vida inteira num único portal (serviços não são vidas humanas). 4. a internet faz dos humanos seres apenas relevantes enquanto dados (repetição do primeiro problema). Todos os quatros pontos se resumem ao mesmo, que é definir a internet como meras redes sociais, e focar toda a sua discussão nos potenciais malefícios do marketing na internet e das formas como este nos persuade. No fundo, esta parece ser a área em que o autor se tem especializado, os problemas do marketing, sobre o qual parece ter sido o seu livro anterior. Contudo, e apesar disso, não parece ter percebido ainda que o marketing é isso mesmo, é uma estratégia de comunicação assente na persuasão, e isso tanto acontece na internet, como em qualquer outro lado. Assim, dizer que o livro nos conta a História ou a Filosofia da Internet é no mínimo caricato, para não dizer que é arrogante e completamente desprovido de senso. A internet é muito mais do que as redes sociais, e é muito mais do que todas as estratégias de marketing ali usadas, utilizem gamificação como o autor parece ter agora descoberto, ou qualquer outra estratégia. 

Mas talvez o pior de tudo, e aquilo que mais me perturbou foi ver o autor dissertar, cheio de autoridade, sobre a atenção humana citando outros autores definindo a mesma, sem contudo se dignarem, ele ou quem ele cita, a consultar, para não dizer estudar, as décadas de estudos na área da psicologia sobre a Atenção Humana. Não se pode falar de faculdades mentais a partir de um diz que disse. Já não estamos no século XIX. Isto não tem qualquer sustentabilidade. Por isso, tudo aquilo que o autor nos diz sobre os malefícios da captura da atenção por parte das redes sociais, ou internet como ele diz, tem validade zero. Isto não é ciência, isto é conversa de café.

Confesso que estive para atirar o livro janela fora no final do primeiro capítulo, mas continuei porque pensei que pelo meio conseguisse retirar algumas ideias, pensei que ele pudesse no meio de tudo aquilo oferecer algumas leituras novas do estado atual, mas nada, nem uma ideia que não tivesse já lido em qualquer outro lugar.


GoodReads.

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